O palácio do Campo das Princesas, residência oficial do governador do estado, deveria ser considerado um lugar sagrado para os que professam o rastafarianismo em Pernambuco. Há 57 anos, ali esteve, e pernoitou, o imperador da Abissínia Hailé Sellasié, Ras Tafari Makkonen, Filho do Negus, o Rei dos Reis, Leão de Judá, descendente direto do Rei Salomão e da Rainha de Sabá. Sua Majestade pisou pela primeira vez em solo pernambucano num chuvoso 12 de dezembro de 1960. Chamando atenção antes mesmo de desembarcar. O avião DC-6, da Força Aérea Etíope, tinha a cauda pintada de amarelo, verde e vermelho, as cores pan-africanas (adotadas pelos rastafaris), e dois enormes leões de Judá em cada lado da aeronave. Sua majestade veio acompanhado da neta, Aida Desta (jovem, mais já mãe de cinco crianças), e de uma comitiva de 25 pessoas
S.M.I Hailé Selassié foi recebido no Aeroporto dos Guararapes pelo governador Cid Sampaio e a primeira Dama, Dona Dulce Sampaio. Divindades também se cansam. E Ras Tafari Makonen confessou-se cansado. Recusou, polidamente, um banquete que lhe seria oferecido no palácio. Optou por um jantar íntimo com a neta, o governador Cid Sampaio e a primeira dama dona Dulce. No cardápio: creme de tomate, filé de peixe, peru à dinamarquesa, pudim e frutas regionais de sobremesa. Como bebida, água e vinho. Cointreau e café como saideira.
Preferiu recolher-se cedo, com seguranças etíopes à porta dos seus aposentos. Mais cedo, concedeu, a muito custo, uma coletiva que deve ter entrado para o livro dos recordes: durou três minutos. Falou, em francês, até tirar o anelão do dedo, combinação com os assessores para a entrevista terminar. Não deu tempo de explicar um detalhe que deixou os jornalistas curiosos. Por que o Rei dos Reis, o Leão de Judá, usava o relógio com o mostrador voltado pra baixo?
No dia 13, H.I.M (Her Imperial Majesty) viajou para Brasília, onde o esperava o presidente Juscelino Kubitschek, em fim de mandato. O Leão de Judá podia ser o Messias reencarnado, mas precisou de paciência para esperar por horas até que a telefonista completasse uma ligação para Brasília. A recém-inaugurada capital federal era ainda um canteiro de obras, não tinha muito que ser mostrado a um visitante tão ilustre.
A programação de Selassié resumiu-se a visitas ao Congresso Nacional, ao STF, e um jantar no palácio da Alvorada. Mais um banquete que não acabou bem. À mesa, ele foi informado que eclodira um golpe militar na Abissínia. Viu-se obrigado a abreviar a estadia no Brasil. Precisava chegar urgentemente a Adis Abeba, onde estava rolando a maior zoeira. Até um filho de Jah, Merede Azimach-Asfa Wessen Hailé Selassié, mancomunara-se com os golpistas.
Mas nem o Rei dos Reis escapa a problemas do cotidiano como, por exemplo, falta de dinheiro. Sua Majestade, de repente, viu-se sem fundos. Impossibilitado de sacar dólares de sua recheada conta no Citibank, bloqueada pelos compatriotas insurgentes. O mineiro JK, rapidinho, sacou da caneta, e avalizou uma retirada de US$100 mil, para Ras Tafari Makkonen cobrir os gastos da volta.
Foi assim que o Leão de Judá tornou a pisar em solo recifense mais uma vez, porém por pouco tempo, recebido pelo governador e um militar. O suficiente para tomar o café da manhã, conceder mais um curta entrevista a um repórter do Diário de Pernambuco, Tempo suficiente para o avião ser abastecido, e partir para a distante Etiópia, onde desembarcou com um quente e dois fervendo, retomando o poder, e pondo ordem na casa. Sua figura impunha tanto respeito, que o soldados exército conseguiram dominar um grupo de rebeldes, levando à frente um sósia do Leão de Judá, empunhando uma metralhadora. Quando o viram, os insurretos renderam-se. O imperador reverteu o quadro de golpe em apenas dois dias, com a morte dos oficiais golpistas, e umas admoestações no próprio filho Merede Azimach-Asfa Wessen Hailé Selassié.
O controverso Hailé Selassié, tornou-se, sem que nunca tivesse consentido, a presença terrena de Jah, adorado pelos rastafaris, tendo como Bob Marley como um de seus mais ardorosos apóstolos. Um discurso seu, de1963, virou letra de música de sucesso do Rei do Reggae, War, assinada por Carlton Barrett e Allan Cole, jogador de futebol, que, no início dos anos 70, atuou no Náutico do Recife.
Uma pena esta história do golpe. Jah Ras Tafari Makkonen (assassinado em 1975), não teve nem tempo de se energizar nos baobás da Praça da República, nem dar um rolê por Olinda, onde tem tantos admiradores.
“His” Imperial Majesty, não “Her”. A majestade é atributo da pessoa que a detém, no caso um homem; ou seja, é a “majestade imperial dele”, não “dela”.
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claro, nem tinha notado
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Que história maravilhosa!
Não tinha ideia dessa ilustre visita.
Israel resgatou judeus etiopes há alguns anos. São negros e vivem numa das cidades daquele país. Não sei se tem ligação com essa história. Vou até pesquisar.
Agradecida Teles! Sempre com histórias interessantes.
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ora, vera, a gente tpa aqui pra socializar informações
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digai, vera, o recife tem muita histórias pra se contar
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