Há quem tenha ficado surpreso por Jorge du Peixe, vocalista do Nação Zumbi, dedicar um álbum a canções pinçadas da caudalosa obra de Luiz Gonzaga (1912/1989). Mas ela já está na música do Chico Science & Nação Zumbi, cujo segundo álbum, Afrocibederlia (Sony Music), é encerrado com Baião Ambiental, um lucubração instrumental de Lúcio Maia, Dengue e Gira. Em 2001, a Nação Zumbi participou do tributo Baião de Viramundo (Candeeiro Records), numa releitura de O Fole Roncou (Nelson Valença/Luiz Gonzaga).
É com O Fole Roncou que termina Baião Granfino – Jorge du Peixe Canta Luiz Gonzaga (Babel), com regravações de onze músicas, umas mais, outras menos, conhecidas de Lua. Seleção feita por du Peixe, e o produtor, e músico, Fabio Pinczowski, gravado no estúdio Doze Dólares, em São Paulo. Um álbum de pontuado por outras influências, algumas inusitadas, como o álbum Per um Pugno de Samba, de Chico Buarque com Ennio Morricone,gravado na Itália, em 1970, época do seu auto-exílio na Itália. Os backing vocals femininos no disco, foram inspirados nesse obscuro álbum de Chico.
A capa, do fotógrafo José de Hollanda, Jorge du Peixe, está em trajes esporte fino, mas a pose aponta para o conceito do trabalho, um disco de crooner. Ele e a banda. Se para Pinczowski, a opção por Luiz Gonzaga foi de admiração pela música, para du Peixe deveu-se a ser nordestino, às memórias afetivas de quem cresceu na região, embalada por Luiz Gonzaga desde final dos anos 40.
Ainda não se sabe o que a imensa legião de gonzagueanos raiz achou do disco, mas com voz rascante de cantor de blues rural do Mississippi, optando pela melancolia embutida das canções escolhidas (não por acaso, o disco é aberto com Assum Preto, de Luiz Gonzaga/Humberto Teixeira), du Peixe, seus parceiros, recriam seu Luiz, como poucos ousam com reverência, mas sem compromisso regras estabelecidas. Coincidentemente, a primeira gravação que depura a tristeza de uma música de Luiz Gonzaga que reflete as agruras do nordestino é Asa Branca (Gonzaga/Teixeira), reinterpretada por Caetano Veloso em seu álbum londrino de meio século atrás.
Xote, maracatu e baião, canta Gonzagão em Pau de Arara (originalmente um maracatu, de Guio de Moraes e Luiz Gonzaga, que a lançou em 1952). É isto que Jorge du Peixe regrava em Baião Granfino, trazendo do esquecimento Rei Bantu, composição de Zé Dantas, do início de sua parceria com Luiz Gonzaga, em 1950, e realçando Cacimba Nova, originalmente um aboio, uma das composições que José Marcolino mostrou a Luiz Gonzaga, quando foi descoberto por Lua no interior da Paraíba, há 60 anos. O crooner Jorge du Peixe está ao microfone acompanhado por uma orquestra formada uma equipe de sumidades: Carlos Malta, Swami Jr., Siba Veloso, Pupillo, Mestrinho, Lello Bezerro, Bruno Buarque, Serginho Plim, Yaniel Matos, Gustavo Ruiz, Victor Rice, Bubu, Maria Beraldo, Lívia Nestrowski, Fábio Sá, Fábio Pinczowski, Sthe Araújo, Naloana Lima e Victória dos Santos. Com a participação muito especial da paraibana Cátia de França em O Fole Roncou.
DISCO
Basta a introdução de Assum Preto pra que o ouvinte entenda que não vai ouvir a música de Luiz Gonzaga da maneira a que está acostumado. Um dos principais clássicos de Luiz Gonzaga ganhou um arranjo primoroso, e engenhoso, com destaque para o rufo de um tarol cerzindo a música até o final. Jorge du Peixe entra com voz roufenha, um Tom Waits cantando uma toada do sertão nordestino.
A célula do baião está ali, mas sendo levada para outras plagas, como acontece com Orélia (Humberto Teixeira, quando voltava a ser gravado por Luiz Gonzaga, mas resguardando-se de parcerias), que ganha pincelas jamaicanas. Apesar da grande variedade de instrumentos, a percussão está muito presente no disco. É assim em Qui nem Jiló, em que o riff da guitarra que dialoga com a bateria. Canção que é um achado no disco é Acácia Amarela, parceria de Luiz Gonzaga com Orlando Silveira, que foi integrante do regional de Canhoto. A música foi feita para a maçonaria, provavelmente nos anos 70, mas só gravada por Luiz Gonzaga em 1982.
Em Baião Granfino, Acácia Amarela ganha clima de trilha de faroeste de Quentin Tarantino, com a percussão de dobrado, uma grande sacada à roupagem com que se revestiu a música. Dominguinhos e Anastácia não poderiam estar fora, e entraram com uma das mais inspiradas parceria da dupla, com Mestrinho mostrando o que aprendeu com o mestre Domingos. As roupagens variam a cada faixa. A regravadíssima Sabiá (Zé Dantas/ Luiz Gonzaga), se arvora a choro, com sonoridade de regional. Cacimba Nova é interpretada meio intimista, enquanto Pagode Russo que, até então parecia até um frevo, abriga-se numa desconcertante levada do perré, ritmo do caboclinho. Por fim, o Baião Granfino. Acertada escolha uma música que foi bem executada ao ser lançada em 1955, e depois esquecida. O parceiro de Gonzagão, o fluminense Marcos Valentim, teve apenas esta composição gravada por Luiz Gonzaga.
Acabo de ler, José Teles…
É tô doido pra ouvir…
Achei tudo muito interessante.
Vc , como sempre, escrevendo muito bem e trazendo novidades.
Abs
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jorge fez uma abordagem muito diferente, voz bem rouca, e um repertório com curiosidades
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achei interessante por exemplo a inclusão de Acácia Amarela, música feita para a maçonaria
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é um disco que foge do estilo gonzagueano, uma ousadia
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