O álbum The Velvet Underground and Nico tem um dos repertórios mais regravados entre os álbuns clássicos dos anos 60. O disco, de 1967, vai no rumo totalmente contrário à música que se fazia na época. O tema droga era insinuado nas letras de Beatles, Jimi Hendrix ou The Byrds, enquanto o Velvet Underground é explícito no álbum de estreia, em faixas como Heroin, I’m Waiting for the Man. Quem mais, além do Velvet Underground, ousaria gravar uma canção sobre sadomasoquismo, inspirada num livro de Leopold von Sacher-Masoch?
Não foi à toa que o LP The Velvet Underground and Nico (a modelo alemã que Andy Warhol acoplou ao grupo) vendeu pouquíssimas cópias. Só tocou no nicho dos seguidores de Warhol, padrinho da banda, a produção é creditada a ele, que também assina a capa. O jornal, digamos, alternativo Village Voice não foi tão afável com o disco inaugural do V.U:
“O Velvet Underground não é um grupo fácil de gostar.Algumas das faixas de seu álbum são cópias descaradas: refiro-me especificamente ao que foi pego de Hitchhike, dos Rolling Stones, em There She Goes Again. O vocal em outras canções soa desagradavelmente com o de Dylan no começo de carreira.parte do material é maçante e repetitivo. E as duas últimas faixas, Black Angel’s Death Song e European Son são miseravelmente pretensiosas”. No entanto, o autor do texto Richard Goldstein, morde e assopra. No parágrafo seguinte, afirma que o Velvet Underground é uma banda importante, e tece elogios a algumas músicas, sobretudo a Heroin “Sete minutos de genuíno rock dodecafônico”.
TRIBUTO
O produtor Hall Willner, grande amigo de Lou Reed, idealizou o projeto I’ll Be Your Mirror: A Tribute to The Velvet Underground & Nico, reunindo nomes que de alguma forma comungam de afinidades com o V.U. É uma empreitada perigosa regravar um disco que reflete um determinado momento, um conceito, um tipo de comportamento de artistas que habitavam a face oculta de Nova Iorque.
No entanto, dos tributos ao V.U este é o mais bem resolvido, porque em boa parte os participantes imprimem seu estilo à música que cantam. Mike Stipe, por exemplo, que abre o disco com Sunday Morning, o faz como se estivesse com a R.E.M sua antiga banda (que foi influenciada pelo V.U). St Vincent e o pianista Thomas Bartlett, tomam um rumo totalmente inesperado para All Tomorrow’s Party (no original cantada por Nico), ele toca suavemente uma variação da melodia ao piano, enquanto ela sussurra a letra. Sharon van Etter envolve em camadas de synth Femme Fatale, cria um clima, mas não entra no clima Nico que a interpreta com o V.U. Andrew Bird e a banda Lucius dão tratamento folk a Venus in Furs, entrecortada de solos lancinantes de violino.
Há duas versões de Run Run Run, ambas com Kurt Vile (segunda editada para tocar no rádio), sua interpretação é como se Bob Dylan fosse acompanhada por uma punk, a primeira versão são quase sete minutos de noise. Vai nesta linha European Son com Iggy Pop e Matt Sweeney, que repete o mesmo riff até o fim, em meio a uma cacofonia de ruídos. Black Angel’s of Death, o poema do disco, é interpretado pela banda irlandesa Fontaine’s DC.
A novata King Princess (22 anos), se sai bem em There She Goes Again, emprega o mesmo arranjo original, mas com uma sonoridade de banda do merseybeat. Courtney Barnett canta I”ll Be Your Mirror como uma canção folk, acompanhando-se ao violão, com percussão leve. Ficou mais ou menos. Assim como Matt Berninger (The National) em I’m Waiting for the Man. Não soa como se estivesse esperando seu fornecedor. Ao contrário de Thurston Moore (Sonic Youth), Bobby Gillespie (Primal Scream) em Heroin, uma versão nervosa, salpicadas de ruídos de guitarra. Um tributo que consegue recriar algumas das canções originais, ratifica a força destas canções. Uma pena que o produtor Hall Willner não viu o disco lançado. Ele faleceu em abril de 2020, em consequência da covid-19.
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