Conheci Laílson por volta de 1984, quando ele editou um jornalzinho de humor, Folhetim Humorial, por esta o humor estava em alta, sobretudo o gráfico. Chargistas tornaram-se uma espécie de heróis porque, durante a ditadura militar, expressavam o sentimento dos que não podiam se expressar. Foi quando surgiu a charge editorial, algo muito antigo em jornal, mas que, em tempos de censura braba, tornou-se trincheira de resistência. Com o Folhetim Humorial nos tornamos amigos.
No aniversário de Lailson, 26 de dezembro, ele reunia amigos em casa, e rolava som até o dia raiar, com Almir, do Ave Sangria, e a mulher dele, cantando em dueto, Cláudio Almeida, arrasando no violão, Clériston mostrando músicas inéditas, ou paródias, Depois de umas quatro, eu perdia a vergonha e também tocava. Foi num aniversário desses que conheci as músicas do Phetus, a banda que Lailson formou com Paulo Rafael e Zé da Flauta, e que não deixou registro gravado. Quer dizer, em 2004, no disco A Turma do Beco do Barato, o Phetus finalmente conseguiu gravar.
Muitas vezes, Lailson ia a minha casa pra gente tirar um som, no domingo à tarde. Ele trazia a raríssima guitarra Gianinni, de 1967, acho. Foi num desses encontros que conheci as músicas do Phetus, a banda que Lailson formou com Paulo Rafael e Zé da Flauta, e que não deixou registro gravado.
Quando eu, Ral e Bione começamos a terceira fase do Papa-Figo Lailson e Clériston colaborar. Deixa explicar esta coisa de “fase”. Nos anos 70, o Papa-Figo teve a primeira fase, uma página com cartuns da turma que fazia humor gráfico no Recife na época, e não eram poucos, Libório, Paulo Santos, acho que Ivan Maurício, Lailson, Clériston, e outros de que não me lembro. A página vinha encartada no Jornal da Cidade, um tablóide alternativo. Na segunda fase, o Papa-Figo virou tablóide, editado por Ricardo Carvalho, salvo engano, que vivo salvo enganando-me.
A terceira fase começou no final de 1984, fim do regime militar, mas mesmo assim as pessoas ainda tinham medo. O cara da gráfica que imprimia o Papa-Figo pedia pra gente não colocar, no expediente, o local onde o jornal era impresso. Lailson e Clériston, colaboraram com os primeiros números. Como éramos muito chegados à música acabamos formando uma banda. O sucesso, ainda regional, do momento eram os grupos de fuleiragem music, Mel com Terra, Feijão com Arroz, Mastruz com Leite. Decidimos entrar na onda e batizamos a nossa de Pão com Banha, um termo de baixo nível, que saiu de linha.
A melhor coisa da Pão com Banha eram os ensaios, em que mais se bebia do que se tocava. A PCB durou pouco, mas chegou a fazer show com Falcão, no Teatro do Parque, vaiado por cearenses que só foram ao teatro pra ver o conterrâneo. Nosso principal palco era o estacionamento da livro 7, fizemos vários (des) concertos lá. Um deles, na frente da livraria, com a dupla Mauro e Quitéria (famosos pela participação num disco dos Titãs) Lailson abria com um brega, Penisvaldo Pinto, eu, Clériston e Bione fazíamos o corinho, “Você quer, me ter/você quer me ter/eu não sou para o seu bico/mas você quer me ter”. Era gréia geral.
Quando escrevi o livro Do Frevo ao Manguebeat, a ajuda de Lailson foi fundamental. Superorganizado, ele guardava sua história em pastas, desde o intercâmbio nos Estados Unidos, a cartazes de shows. Foi aí que vi o desenho original feito para a capa do LP do Ave Sangria, que foi preterido pela gravadora Continental. Usaram a ideia de Lailson, mas não pegaram o espírito da coisa. Lailson esteve metido em todas lucubrações do udigrudi da década de 70.
Organizado e meio formal, assim era também nosso amigo. Em 1994, fomos a Portugal, com o projeto Cumplicidades. Lailson só atravessava uma rua se o sinal estivesse aberto pra pedestre, mesmo sem carro nenhum à vista. Uma vez ralhou comigo porque atravessei uma ruazinha bem estreita com o sinal fechado. Só fiz rir. Também em Lisboa, a gente passava diante de um restaurante, e Lailson fala: “Vê que cara parecido com Marco Polo”. E eu: “Não apenas se parece como é o próprio Marco Polo”. E era. Nesse Cumplicidades, pra onde você se virasse via um pernambucano conhecido.
Passamos a nos ver menos depois que Lailson saiu do Diário de Pernambuco, e foi trabalhar como autônomo. Fui uma vez ao escritório dele, em Casa Forte, quando Nemo, o americano da gravadora Time-Lag veio assinar contrato de autorização para lançar Satwa, de Lailson e Lula Côrtes, que nesse dia estava no escritório, como também uma filha de Marconi Notaro. Nemo queria lançar o Marconi Notaro no Sub-reino dos Metazoários.
Eventualmente nos víamos. Uma vez esteve na redação para divulgar uma ópera pop, feita com Fábio Valois, que abordava o período de Maurício de Nassau no Recife. Houve uma apresentação no Santa Isabel, mas apenas para conferir a reação do público. Não sei se foram à frente com a ópera. A última vez que nos vimos foi para uma participação dele e de Zé da Flauta num vídeo para um caderno especial que escrevi, pro JC, sobre o movimento udigrudi pernambucano dos anos 70. Esse encontro aconteceu em maio de 2019, dez meses antes do início da pandemia.
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