Está aberta a temporada de lançamentos de discos de inéditas. Muita gente com disco saindo do forno. A maioria soa como um desabafo, para externar o perrengue dos dias de sufoco e horror da pior fase da pandemia que, embora mais amena, ainda continua. Música cuja inspiração assoma-se em noites de insônias e crises de ansiedade. Quando enfim terminar, há que se escrever um livro sobre de singles e álbuns pandêmicos, geralmente lançados às sextas-feiras.
Nessa sexta, 29 de outubro, Marcelo Cavalcante, do coletivo Avoada, lançou o primeiro EP, (In) Produtivo (Toca do Lobo Records), um título, no qual estão embutidos vários significados. A preposição em inglês, “in” dá a ideia de “pra dentro”, não apenas com o sentido de entrar, ou estar no interior de um local, mas igualmente uma imersão em si mesmo. Também é um trocadilho com “improdutivo”, o que muita gente acha de quem cria canções. Cantar ou compor não seria trabalho.
O primeiro que salta à vista é o (in) produtivo, o oficio de criar um disco no isolamento social, em um quarto, onde as canções foram compostas, e gravadas, um ato quase que inteiramente solitário. Uma das canções, Esparsa (lançada como single), é assinada com Juliano Holanda, e a capa por Juvenil Silva. Marcelo segue a linha mestra que também rege o A Voada, valoriza a melodia e a letra, o velho formato da canção, que andou meio fora de moda, mas está aí de novo, com influências dos alternativos dos anos 70. Esqueça a Luz Acesa, mesmo com a letra lembrando o morcego na porta principal, que nos ameaça a todos, é bem radiofônica, lembra um pouco Luiz Melodia: “Esqueça a luz acesa/ e deixe o copo à mesa/que a vida é incerteza do amanhã”.
Jovem Aprendiz é embalado por um samba lento, “O sangue escorre na praça/ bala não é de festim/ mas só parece piada/ é mais um circo que ri/ Aquele voto que mata me diz o jovem aprendiz só disfarçando da farsa/ a gente é feliz”. Marcelo Cavalcante canta estes tristes tempos, sem esquecer-se das crenças esdrúxulas, feito o terraplanismo, enfermaria, hospitais (em Enfermo). As cinco faixas do EP soam como uma espécie de relato que irá ajudar gerações futuras a entender o que foram estes longo e carregados dias. “O que da vida se diz assim/se nem começo, não vejo fim/cai em si da longa estada/ do tudo ou nada, sem ver em mim”, versos da faixa final, a reflexiva No Quê da Vida.
Curioso de Marcelo Cavalcante dominar tão bem os vários ritmos da MPB, é que ele começou com a turma do Coco, Dona Cila, Mestre Ferrugem e Dona Glorinha. No EP ele toca todos os instrumentos, violão, cavaquinho, guitarra, e contrabaixo. (in) Produtivo está disponível nas principais plataformas de música para stream,
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