Há mais bregueços entre o céu e a terra do que imagina nossa vã filosofia. Há 70 anos apareceu na feira de Campina Grande (PB) um burro que sabia contar. Como esse sucesso se deu ninguém sabe bem esclarecer, porque o animal foi trazido do Rio Grande do Norte, onde viveu até então carregando peso pra lá e pra cá, quando se achava que o burro fosse um animal de carga. Não tenho certeza se ainda é permitido tratar burro como animal. Talvez o burro já tenha entrado no rol dos bichos que não podem ficar em situação de rua, e precisam ser tratados a pão de ló, feito gato e cachorro, alcançado o status de pet. Mas tergiversei sobremaneira.
Como dizia, antes de ser interrompido tão abruptamente por mim mesmo, esse burro de que falava, continuou em Campina Grande, a carregar coisas nos costados, caçuás, sacos, enfim, cargas. Esqueci de dizer que o supracitado burro chamava-se Canário. Um quadrúpede com nome de passarinho é mais um toque de mistério nesta história. Eis que ao começar a envelhecer, Canário virou matemático, aprendeu por arte sabe-se lá de quem, a somar, dividir, diminuir e multiplicar, Perguntava-se a ele pra, digamos, dividir um número por outro, e Canário respondia, com as patas, dando tantas pancadinhas no chão quantos fossem os números da resposta.
Mais que isso, ganhou também o dom de adivinhar a idade das pessoas. Qualquer vivente chegasse a ele e lhe perguntasse quantos anos tinha, e Canário acertava a idade da criatura, na chincha. Deu mais um tempo virou poliglota. Feito dizem que o conselheiro Rui Barbosa fez em Haia, respondia a cada qual no idioma desse cada qual. Assim procedia Canário que agora só era burro na raça. O burro matemático, adivinho e poliglota foi vendido a um cidadão do Recife; Por ele foi levado, num navio do Lloyd Brasileiro, para o Rio de Janeiro, então capital do país, a fim de que a cidade mais importante do país tomasse conhecimento de sua sabedoria.
O bicho causou. Durante dias não se falou em outra coisa na Cidade Maravilhosa. Segundo o Diário da Noite carioca, seu dono, Fausto Moreira, não exibiu em feiras abertas, como acontecia no Nordeste. Ele foi a cassinos, clubes e colégios, foi examinado por militares, espíritas, magistrados, materialistas, advogados. No Recife, o Coronel Magalhães Barata, foi com a senhora dele, conferir a sabedoria do burro, e quedou-se estupefato. Dando seu testemunho, por escrito, num caderno pertencente ao dono do burro inteligente: “Assisti ontem à noite a uma exibição do burro Canário, fenomenal! Inexplicável mesmo, a menos que se admita o fenômenos da reencarnação humana em um animal”. Canário respondeu à sua maneira, a todas as questões que lhe foram apresentadas, e disse até o número da casa em que morava o coronel, mais a idade de todas as pessoas presentes.
Infelizmente não se sabe do fim do burro Canário. Pesquisei nos jornais da época, todos no Rio jornais e revistas noticiaram sua chegada, e exibições, mas não seu paradeiro, depois da fama nacional. Talvez tenha acontecido a ele o que preconizou o cronista Proto Guerra, da Gazeta de Notícias, do Rio (em 15/2/1942(: “ (…) Quando o burro Canário passar de moda e deixar o palco dos cassinos, ninguém mais se lembrará dele. Será muito feliz se obtiver uma aposentadoria de milho e alfafa para o resto dos seus dias. E talvez morra feliz, sonhando as horas de glórias, o que é sempre um sonho, mesmo para os artistas que não são burros”.
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