E lá vem o frevo sugando povo de casa, de praça, das ruas

“Verdadeiramente, a música popular pernambucana é escrita com os pés. E não se diga que poesia é exclusividade apenas das mãos ou dos gabinetes circunspectos. Faz também poesia com os pés. O frevo está aí para provar. Durante os três diais oficiais do carnaval (pois que já há uma semana o pernambucano vinha rabiscando seus passos), todo bom pernambucano vira e faz arte.

Então é como se fossem as três noites de Cinderela. O recifense calça os sapatos mágicos do frevo e rodopia além da realidade, suando alma e fantasia. Um dos braços se prolonga num guarda-chuva que se abre no fim em dedos pretos e rasgados. E lá vem o frevo, com um enorme sorvedouro sugando o povo de casa, sugando o povo das praças, sugando o povo das ruas. Homens e mulheres pulando como pipocas no fogo.

E pipocas humanas vão aumentando, engordando as ruas magras, pulando e dando encontrões nas labaredas do frevo. A alma do recifense se esvai numa explosão de gestos, riscando coreografias e escrevendo no chão histórias logo esquecidas. A alma escorre pelos pés, alma que cheira a suor. E o frevo passa afogando, sufocando, enlouquecendo, numa doida confusão de gestos e guarda-chuvas, dobra a esquina e se vai”

Este bela descrição do frevo nas ruas do Recife é texto de contracapa do LP (de 10 polegadas) Frevos (Mocambo/Rozenblit), lançado a 65 anos, com oito frevos de rua (no rótulo, do vinil, o disco é intitulado Frevos nº 2). O texto não é assinado, assim como não dá pra identificar o autor da belíssima ilustração da capa. A imagem do frevo como “sorvedouro”, sugando gente por onde passa, me lembrou de uma entrevista com Nascimento do Passo, um amazonense (de Benjamin Constant, 1936/2009) que se tornou um dos grandes mestres do passo.

Nascimento conta que já conhecia o frevo em Manaus, veio para o Recife em 1949. Estava na calçada de uma rua do Centro quando foi sorvido pelo frevo. Foi um dos maiores sustos, e medo que já sentiu na vida. Ele procurou escapar da multidão, mas não conseguiu, foi arrastado, e nunca mais saiu do frevo. O estilo da marcha frevo que se escuta neste disco é ainda o frevo rasgado, com o maestro Nelson Ferreira no comando das orquestras Mocambo e Tamandaré.

O repertório é aberto com Vassourinhas (creditada apenas a Mathias da Rocha), e fecha com Come e Dorme (Nelson Ferreira), entre um e outro, Tijolo Quente e Você É A Maior (Zumba), Faiscante e Regressando (maestro Francisquinho), Encapetado e Alegria de Pompéia (Levino Ferreira).     

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