Não me lembro de ter visto em matérias sobre os grandes discos de 1971, meio século atrás, o nome de Paulinho da Viola. Talvez porque o samba, mesmo no Rio, no fundo, é um gênero regional, assim como o forró no Recife. Um é música do morro, o outro de matuto. Mas tergiversei. Naquele 1971, Paulinho da Viola vinha de um imenso sucesso, Foi Um Rio Que Passou na Minha Vida, e vencera o premiado V Festival de MPB, da TV Record, com Sinal Fechado, canção ousada, em que um samba canção somente se insinuava, meio experimental, a letra uma metáfora do país pós-AI-5, o ruído na comunicação entre dois amigos. No ano seguinte, com um Rio que Passou na Minha Vida, Paulinho levou o sambão a ganhar crachá de MPB.
Feito um estágio de luxo, em 1965, com os maiorais do samba, o caçula do A Voz do Morro (Zé Kéti, Elton Medeiros, Jair do Cavaquinho, Anescarzinho do Salgueiro, Zé da Cruz e Oscar Bigode), com o qual gravou dois LPs, e participações no Rosa de Ouro, também dois álbuns, em 1965, e 1967. Ele dividiu um disco com Elton Medeiros, Samba na Madrugada (1966), já semeando clássicos, feito Recado (com Casquinha) e 14 anos. Paulinho da Viola estrearia em LP solo, epônimo, em 1968, e marcou terreno com Coisas do Mundo Minha Nega, um clássico instantâneo, e confirma-se como o melhor intérprete de Cartola (com Vai Amigo e Amor Proibido).
Nos dois discos de 1971, intitulados “Paulinho da Viola”, emprega com mestria uma receita, em que coloca uma boa parte de sambas autorais. Mais uma parte de composições de sambistas consagrados, Candeia, Nelson Cavaquinho, e da ala de compositores de escola de samba, sobretudo da Portela. Tirando, assim, da obscuridade nomes como Casquinha, Walter Alfaiate. Por fim, um clássico da velha guarda. Neste repertório estão os futuros clássicos Perder e Ganhar, Dona Santina e Seu Antenor, Para Um Amor no Recife, e Um Certo Dia Para 21. Do passado trouxe Óculos Escuros (Valzinho e Orestes Barbosa), lado B de um 78 rotações de Zezé Gonzaga, de 1955.
O segundo Paulinho da Viola não lhe fica atrás. Estão nele Para Ver As Meninas, Reclamação (com Mauro Duarte) Abraçando Chico Soares (uma homenagem a Canhoto da Paraíba), Fino Vinhos e Cristais (com Capinam). Interpreta Candeia, Nelson Sargento e Batista da Mangueira, Marcus Vinicius (este não era do samba, foi da cena musical do Recife dos anos 60). Da velha guarda, Coração (Alberto Ribeiro), gravada por Silvio Caldas, em 1938.
Os dois discos traçariam e definiriam a rota estética de Paulinho da Viola, que se equilibrava entre tradição e modernidade. Em plena era da barra pesada política, ele se vale da linguagem da fresta. No caso de Sinal Fechado, com uma harmonia nada convencional, em que foi detectada influências (negadas), do tropicalismo. No livro Velhas Histórias, Memórias Futuras (2002), o autor Eduardo Granja Junior, lembra que Paulinho rechaçou as hipóteses de inovador e renovador da música brasileira. Esclareceu que o uso de acordes pouco comuns, vinham de um estudo para violão de Villa-Lobos, de 1920. “Sinal Fechado foi uma ideia que se esgotou nela mesma”, disse Paulinho da Viola (ao jornal do Brasil, em 1971), que também recusou o título de defensor da tradição.
A referência política velada está em Para Um Amor no Recife, Nas Ondas da Noite, ou Ruas Que Sonhei, dos versos: “Toda beleza que havia nesta rua/há pouco tempo deu um vento e carregou/É muita gente se vestindo de alegria/vai fingindo todo dia que a tristeza já passou”, versos, até atuais. Curioso é que a censura, talvez até por preconceito com o sambista, só implicou com ele em Meu Sapato, talvez pelo nonsense da letra (“É um barato/meu novo sapato/de salto alto inoxidável”), viram nos sapatos uma provável crítica às forças armadas, ou coisa parecida. O samba, que deveria entrar em um dos discos de 1971, e só pode ser lançada em 1976, no álbum Memórias Cantando. Produzidos por Milton Miranda, para a Odeon, com os maestros Gaya e Panicali, com músicos como Mestre Marçal ou Copinha, os dois Paulinho da Viola, que completam 50 anos em 2021, são entradas obrigatórias em qualquer lista, sem viés, de melhores álbuns de 1971, e da música brasileira.
Aí Teles, ganhas um drink se souberes o nome da musa inspiradora de Para Um Amor No Recife.
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aí é fácil, dedé aureliano
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