Céu ratifica-se ótima intérprete em disco de regravações

Em 1971, sucesso nacional estrondoso com a dupla Antonio Carlos & Jocafi, Você Abusou (assinada pelos dois) teve mais de 22 gravações, indo de Wilson Simonal à Orquestra Som Bateau, Os Velhinhos Transviados, Erlon Chaves e A Banda Veneno, Maria Creusa, Agostinho dos Santos, para citar uns poucos. Já foi muito comum uma composição bem sucedida receber várias versões enquanto ainda ascendia nas paradas.

Em tempo relativamente recente, se passou a dar importância ao disco autoral, enquanto o trabalho com regravações sendo projeto paralelo, coisa que o artista empreende quando a inspiração não lhe chega. Raramente se gravam canções que estão fazendo sucesso com determinado intérprete ou banda. (menos no segmento mais popular em que as regravações, acontecem com frequência). Valoriza-se, pois, mais o disco de autor, com condescendência para um ou dois covers.

Céu mandou às plataformas de música para stream, nesta sexta-feira, 12 de novembro, Um Gosto de Sol (Urban Jungle/Warner Music), um álbum de regravações, um leque aberto para que ela interprete de um samba de 1932, Ao Romper da Aurora (Ismael Silva/Lamartine Babo/Francisco Alves), lançada por Mário Reis, a May This Love, de Jimi Hendrix , de Are You Experienced? (1967), à bossa baião Bim Bom (João Gilberto), lado B do 78 rotações de Chega de Saudade (1958). Ou canções aparentemente incompatíveis entre si, Deixa Acontecer (Carlos Caetano/Alex Freitas), hit dos pagodeiros do grupo Revelação, e Criminal, pop de alta octanagem, que Fiona Apple lançou em 1997.

Para a grande intérprete não importa se a composição já foi exaustivamente regravada, como é o caso de Feelings, uma das canções mais recordistas em gravações da história da música pop. Da lavra do paulista Morris Albert, foi registrada até por Frank Sinatra, mais, pelo menos, 300 intérpretes mundo afora. Porém Morris deu uma garfada na melodia de Pour Toi (1956) do francês Louis Gasté, que processou o brasileiro por plágio, recebeu 500 mil dólares de indenização, e a parceria de Feelings.

 Na exaurida balada de Albert/Gasté, Céu, ratifica ser uma das grandes vozes da MPB surgidas nestas duas décadas do século 21. Feelings, convenhamos, música de obviedades melólidas e líricas, ganha uma de suas melhores versões, a cantora consegue tirar o ranço bregoso da canção, num arranjo mais rock and roll, e nem poderia deixar de ser. O violão de sete cordas é dedilhado por um dos grandes guitarristas do rock, Andreas Kisser, que toca no disco inteiro (quem comparece ao jazz no carnaval, em Garanhuns, depois Gravatá, no agreste pernambucano conhece o lado não metal de Kisser, presença assídua ao evento). Com ele, estão o baterista Pupillo (produtor do álbum), o baixista Lucas Martins, o tecladista Hervé Salters, a base, mais convidados, Russo Passapusso (em Teimosa, de 1973, Antônio Carlos & Jocafi), ou o maestro Jota Moraes (vibrafone em cinco faixas).

Bim Bom, uma das raras composições que João Gilberto assina, foi a minimalista contraparte dele à esfuziante Chega de Saudade (Tom e Vinicius), com Céu o baiãozinho ganha levada à Jorge Ben (na rítmica anterior ao “Jor”), uma das melhores faixas do disco. Outro releitura feliz é a de Um Gosto de Sol (Milton Nascimento/Ronaldo Bastos), do Clube da Esquina (1972), que ganha sinuosidades orientais, com um belo violão de Kisser. Paradise, com que Sadé Adu frequentou as paradas mundiais em 1988, tem uma levada meio de samba, e um baixão na marcação. Com Céu, se desacelera o andamento, e a poderosa bateria de Pupillo ocupa o protagonismo do contrabaixo, na abertura.

As canções são intercaladas por interlúdios, com batidas de DJ Nyack. 53 segundo de Sons de Carrilhões, de João Pernambuco (1883/1947), antecede Pode Esperar (Roberto Correa/Sylvio Son), lançada por Alcione em 1978, o samba Salobra (Céu) quase um minuto e meio, prepara o terreno para a citada Feelings. Jimi Hendrix não é fácil ser regravado, mas Céu e a banda saem-se bem, imprimindo toques de psicodelia à May This Love que, no original, é uma viagem sônica, com um toque afro de bateria, no início, para resvalar para uma balada, como se dizia então, cósmica. Céu explora a parte mais melódica da canção.

O pagode Deixa Acontecer, tem participação de Emicida, e é enquadrado como Soul, enquanto Criminal, também tratado com alta octanagem, mais a melodia é mais enfatizada. Por fim, Chega Mais, que ganhou nova conotação em tempos de distanciamento social, hit de Rita Lee, em 1979, quando ela e Roberto Carvalho, feito uma versão tropicalizada de John & Yoko, escancaravam em público, nas letrasm o que aprontavam na intimidade. Do repertório escolhido por Céu, Pupillo, o produtor Marcus Preto, e o compositor Edgard Poças (pai da cantora), I Don’t Know(1998) dos Beastie Boys e Chega Mais recebem versões reverenciais. A segunda, no entanto, é a faixa mais radiofônica do álbum, aquela que o pessoal cantará junto no show. Torcer para que Andreas Kisser esteja disponível para ir junto na turnê de Um Gosto de Sol.

4 comentários em “Céu ratifica-se ótima intérprete em disco de regravações

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  1. Teles, suas análises são implacáveis. Concordo parcialmente sobre Feelings, acho que ela ainda pecou em algumas notas que pareceram algo batido, mas como o arranjo finalizou a música compensou isso haha Grande abraço.

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