O americano Ezra Pound foi preso em 1945, na Itália, acusado de traição, por ter apoiado o fascismo e o nazismo. Viveu entre a prisão e clínicas psiquiátricas até 1958. Enquanto escrevia uma das obras mais importantes do século 20, Os Cantos, 120 poemas escritos entre 1915 e 1962, e publicados em 1964. Sua participação ativa no fascismo, em centenas de programas de rádio, sua simpatia pelo nazismo, não ofuscam sua poesia, nem sua obra prima. Pound foi um poeta maior, e dos mais influentes do século passado.
Da poesia para a música. Eric Clapton, nascido quando Ezra Pound era preso, começou a ficar conhecido em Londres, quando Os Cantos foi lançado. Tornou-se famoso um ano depois, na banda de John Mayall, o Bluebreakers. 55 anos depois, é mais comentado por suas ideias negacionistas, em relação à pandemia. Posiciona-se publicamente contra a vacina, isolamento social e uso de máscara. Admiradores que o seguem há décadas, o renegam. Não querem mais escutar seus discos, nem ir a seus concertos.
Em meio ao ruído que suas declarações provocaram, impossibilitado de realizar um show, em maio de 2021, no Royal Albert Hall, em Londres, Eric Clapton convocou três músicos para gravar seu álbum pandêmico, numa propriedade dele, na zona rural de Sussex. Sudeste da Inglaterra. O baterista Steve Gadd, o tecladista Chris Stainton e o baixista Nathan West foram seus companheiros nessa viagem, mas Melia, mulher do guitarrista. O álbum que resultou dessa gravação chama-se The Lady in the Balcony – The Lockdown Sessions. A dama na frisa do teatro refere-se à Melia, sua mulher, única pessoa presente na plateia. Os demais, além dos músicos, eram os técnicos que trabalharam na gravação.
Embora o repertório quase todo seja de músicas manjadas, e acústico, o que remete ao Unplugged MTV, com que Clapton chegou às paradas mundiais em 1992, estas sessões do lockdown são bastante diferentes. Um desabafo de um músico que se viu acuado por gente de dedo em riste apontado para ele na imprensa, redes sociais, entre seu círculo de amizade, pelas autoridades, quando afirmou que não faria shows em locais que exigissem atestado de vacinação. Ele quis mostrar que suas ideias contrárias à razão não interferem na habilidade em fazer o que sabe melhor, tocar um instrumento.
Um show ao vivo do artista na intimidade, tocando com amigos, compromissado somente com si mesmo. Descobrindo sutilezas, extraindo o máximo de músicas manjadas feito Layla, After Midnight, Nobody’s Know You When You’re Down and Out. A homenagem ao subestimado guitarrista Peter Green (Fleetwood Mac), em Black Magic Woman e Man of the World, está entre as 17 faixas, algumas raras em seu repertório de palco, Bad Boy, não a do seu primeiro álbum solo, mas outra de Charlie Musselwhite, tocada numa Gibson 335, Felizmente, ele teve o bom senso de não incluir no disco, as canções negacionistas This Has Gotta Stop, e Stand and Deliver, na qual fez dupla com o irlandês Van Morrison. A produção é de um mestre, Russ Titelman, parceiro de Brian Wilson, que produziu de George Harrison e Cindy Lauper.
Isto posto, é irrelevar o homem que caminha na contramão do que orienta a ciência, e escutar o músico que há quase seis décadas contribui para a música popular. As obras primas, Layla and Other Assorted Songs e Os Cantos de Ezra Pound, são imunes aos pensamentos dos seus criadores.
Esse é o caminho mais razoável de lidar com ídolos polêmicos, mas não é nada fácil, principalmente se for relacionado a algo que envolve a vitalidade das pessoas hehe.
CurtirCurtir
estas coisas rendem assunto, mas nos tempos atuais, discussão sadia acaba, quase sempre, em bate-boca doentio. Tô fora.
CurtirCurtir