Anastácia, decana das compositoras de forró (embora tenha incursionado por diversos gêneros) foi orientada a fazer música por três mestres, todos pernambucanos, feito ela, nascida e criada no subúrbio da Macaxeira, Zona Norte do Recife. Foram eles, Venâncio, da dupla com Corumba, compositor de talento, Luiz Gonzaga e Dominguinhos. O primeiro, com quem foi casada, impulsionou sua carreira, Luiz Gonzaga a levou consigo, em 1966, para fazer o circuitão nordestino, numa época de vacas raquíticas para o Rei do Baião, com a Jovem Guarda passando o rodo nos estilos musicais que até então frequentavam as paradas e programações de rádios no país.
Foi nessa excursão que ela e Dominguinhos se engraçaram, e acabaram juntando as escovas de dente, embora ele ainda fosse comprometido. Dominguinhos era um sanfoneiro ainda pouco conhecido, mas bastante conceituado, tanto pelo talento, quanto com a proximidade com Luiz Gonzaga. Aos poucos foram surgindo as parcerias, ele era um compulsivo criador de melodias, enquanto ela era uma letrista de pena afiada, precisa nas palavras. Mas tudo é uma questão de sorte.
Eu Só Quero Um Xodó foi composta para Marinês, foi descoberta por Gilberto Gil, em Cannes, no Midem. Dominguinhos estava na banda de Gil e num encontro no backstage tocou o xote. O baiano a gravou em 1972, e teve seu maior sucesso popular até então. Uma parceria produtiva, que deixou clássicos na MPB. Não apenas isto, firmou o nome dos dois no mercado musical brasileiro.
55 anos depois da viagem com o Rei do Baião e Dominguinhos pelo Nordeste, Anastácia, 81 anos, lança disco com Fi Bueno, jovem paulista que segue a linha dos ritmos nordestinos estilizados por Gonzagão. O produtor é um craque responsável por muitos sucessos Guto Graça Mello. A origem de Identidades, o álbum de Anastácia e Fi Bueno, está na amizade do músico com o produtor, com que ele tocou algumas produções. Anastácia conheceu Fi Bueno no concorrido Bar da Brahma de São Paulo. Tornaram-se parceiros, e Graça Mello incentivou a que fizessem um álbum.
Graça Mello é do tempo em que gravadoras ousavam, e não davam preferência ao caminho das pedras. O velho normal é que artistas veteranos revisitem sua obra, e façam releituras de seus hits. Com Anastácia o buraco é mais embaixo. Ela é parceira de Fi Bueno, numa dessas parcerias, Na Areia da Praia, entrou a cantora Céu. Mas há outras surpresas no disco como, por exemplo,uma parceria póstuma com o maranhense João do Vale (1934/1996): “Antes de morrer, João pediu a Julinho (do Acordeom) que a música fosse entregue para Anastácia colocar letra. É um pé de serra com aquele lirismo que só ele tinha e que emocionava até Tom Jobim. No final tem um choro do sertão indescritível”, esclarece Fi. A relíquia encontrava-se nos arquivos de Anastácia estava também um samba de teleco-teco, Sadismo, parceria inédita dela com Dominguinhos. As demais canções, de 14 que compõem o repertório, a maior parte é assinada por Fi Bueno e Anastácia. Mas Anastácia incluiu outras duas parcerias com Dominguinhos, O Sucesso da Zefinha, arrasta-pé lançado pelo Trio Nordestino em 1981 (que ela própria gravou e 1985) e tenho Sede, sucesso lançado por Gilberto Gil, no álbum Refazenda (1975)
Um disco que conta com um time de craques no acompanhamento, Toninho Ferraguttii (acordeom), Robinho Tavares (baixo), Sérgio Melo (bateria), Marcelo Ma ita (piano), Guto Graça Mello (Cordas Midi, Cuíca Midi, Tamborins Midi, Sopros Midi). Enquanto Fi Bueno toca vários instrumentos, de violão, à percussão. Outro tanto de gente boa nas participações especiais, a começar pelo agora imortal Gilberto Gil, na faixa de abertura, Interestelar, interpretada por Fi, Gil e Anastácia, que vai de um rap, meio sussurrado. Há tempos que Anastácia não afinava tanto com um parceiro, como acontece com Fi Bueno. Pé de Joá, um xote dos dois, se tocasse no rádio poderia repetir Eu Só Quero Um Xodó.
Um disco pontilhado de forró autêntico, sofisticado e contemporâneo, como Estrela Cadente, um xote abrilhantado por Zeca Baleiro, que o canta com Fi e Anastácia. Nina Maia é a convidada em Areia da Praia, Sylvia Massari está com Fi e Anastácia no xote, meio ijexá, Raiz Popular. Por falar em Eu Só Quero Um Xodó, a música ganha releitura moderna e funde-se com Xotear, homenagem de Fi Bueno ao clássico maior de Anastácia e Dominguinhos. Há homenagem também a Jackson do Pandeiro, na marcha junina Meu Santo É Brasa, que a gravou, e virou parceiro, em 1967 O álbum termina com uma canção pop, um rock mesmo, Amar pra Valer. Um dos melhores discos de MPB da safra do ano da graça de 2021.
Já estou na espera!
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