Um caçador do compacto em vinil perdido

Não entrei na do vinil. Restam-me uns 200, se muito, mas raramente ouço. Assim como praticamente não ouço CDs. Me interessa o conteúdo, as informações sobre o disco encontram-se na web. Por vinil, quis dizer LP. O compacto coleciono há anos porque, em grande parte, dificilmente será reeditado, ou até mesmo lançado no formato digital. Na discografia do frevo, por exemplo, o compacto teve um papel importante. Embora seja a Rozenblit seja louvada, e merecidamente, pelo incentivo ao gênero, e viabilizá-lo comercialmente, a partir de final dos anos 50. Porém o catálogo de frevo da Rozenblit é relativamente modesto. A música era sazonal, só se produzia para o carnaval. A gravadora pernambucana lançava um LP, Capital do Frevo, e uns poucos 78 rotações (formato que saiu de linha em 1964).

Ora, muita gente compunha frevos, e só uma minoria conseguia passar pelo funil da Rozenblit. Quando passou a sofrer a concorrência das gravadoras do Sudeste, exigiu exclusividade. Quem tivesse composição lançada por outra gravadora, não entraria nos seus discos. Uma característica do frevo peculiar. Quando era lançado catálogo para o carnaval, os consumidores queriam mais saber do compositor do que do intérprete. A norma da Rozenblit valia para todo mundo, inclusive Capiba. Os compositores que sobravam resolveram o problema pagando para gravar, quase sempre compactos, lançados por selos independentes, as chamadas gravações particulares. Rastreá-las é uma empreitada quase impossível. Tinham tiragens limitadas, vendiam pouco, as inúmeras inundações do Capibaribe provavelmente destruíram parte desses disquinhos.

Até mesmo Claudionor Germano, o mais importante dos intérpretes do frevo, tem na sua discografia vários compactos raros. Alguns de que nem ele se lembra, feito um compacto simples, dividido com a cantora Marlene, com dois frevos canção, de Antonio Batista dos Santos. Assim como os compositores, os novos intérpretes também tinham dificuldades para gravar. Em 1966, Roberto Nogueira, da jovem guarda romântica local, dividiu um compacto de frevos canção, com Walter Morales, um guitarrista e cantor boliviano (mas registrado no Acre).

A discografia brasileira em compactos é vasta. Até porque o “avulso” como também eram conhecidos nos anos 60, servia como um teste para artista novato. Se o avulso vendesse bem, aumentavam sua chances de gravar um long-playing. Quando acontecia de ir direto para um “longa duração”, escolhia-se uma faixa para ser “música de trabalho”, e puxar o LP. E aí valia até para Roberto Carlos, que teve compactos lançados até 1984 (geralmente duplos, o que se chama agora de EP. Lá fora já se chamava EP desde a década de 60).

 Nunca me interessei por compactos de Roberto Carlos, porque a maioria é de canções de sucesso extraídas de LP. Para os fãs e colecionadores, há raridades em compactos, sobretudo os produzidos para o exterior. Me arrependi não ter comprado, por uma ninharia o relançamento do compacto com João e Maria e Fora do tom, gravações que inauguram a carreira fonográfica do Rei, em 1959. Originalmente em 78 rotações, houve uma reedição em compacto em 1968.

Gilberto Gil deu sorte com compactos com canções avulsas. Aquele Abraço, Eu Só Quero Um Xodó (Dominguinhos/Anastácia, 1972), Não Chores Mais (No Woman No Cry, Bob Marley, 1978). O interessante nesses disquinhos, além do valor histórico, são as raridades no lado b, ou flip side, como dizem em inglês. No lado B de Aquele Abraço, de1969, está Omã Iaô, sua primeira incursão pela psicodelia hendrixiana. Embora tenha sido o maio sucesso popular de Gil até então (1973), Eu Só Quero Um Xodó é lado B do compacto que tem a pouco lembrada Meio de Campo como lado A, um samba que o jogador Afonsinho, do Botafogo é tema. Já a citada Não chore mais, traz na outra face Macapá (Humberto Teixeira/Luiz Gonzaga).

Saltando no tempo, em 1980, a MPB parecia não saber o que fazer com a liberdade recém-adquirida. A censura prévia acabara em 1979. A contracultura já se tornava história, o pop rock lá fora assumia novas caras, novas sonoridades, e por aqui o que tocava muito no rádio era balada derivada de Guilherme Arantes. Aí chega a Blitz com Você Não Soube me Amar.  O compacto, o mais simples possível, só tem esta canção, que bombou di cum força país afora. Na verdade, no lado B, rola apenas um remix com “Nada, nada, nada”. Algum tempo depois, teve uma paródia, que tocou bastante no rádio, Eu Hoje Vou me Dar Bem (dizem que feita por Miéle), um cafuçu num rolo com um travesti. A música é mais conhecida como “O nome dela é Valdemar”.

Pelo visto, o compacto não foi beneficiado pela valorização do LP. O que tem 70 Neles, de Gal Costa, música composta para a Copa de 1986, embora raro, custa em média 18 reais no Mercado Livre e afins. A música de Edgard Gianullo e Vicente de Paula Sálvia (arranjada por Lincoln Olivetti) não pegou. Assim como não pegou o samba Balé da Bola, com clima de enredo de escola, criado e gravado por Gilberto Gil para a Copa de 1998. O compacto simples tem duas versões de Balé da Bola. A do lado B com participações de Neguinho da Beija Flor e de Dominguinhos do Estácio. Caetano Veloso lançou vários compactos, muitos com músicas que não chegaram ao álbum. Um que faz parte dos meus compactos é o 84 Carnaval Liberou Geral – 100 anos do Carnaval da Bahia, com participações de Armandinho e Trio Elétrico Dodô & Osmar. Traz Pra Valer (Moacyr Albuquerque), e É Hoje, o samba de enredo da União da Ilha em 1982, de Didi e Mestrinho. O disquinho tornou-se raridade. Pra valer está esquecida, mas o samba do União da Ilha continuou sendo cantado por Caetano. Raro também é o compacto com Atrás do Trio Elétrico, de 1969, que traz na outra face Torno a Repetir, esta segunda só teve uma gravação com o autor, e nenhuma regravação.

Comprei alguns compactos obscuros, ou obscurantistas, como é o caso de Brasil, Eu Adoro Você, de Miguel Gustavo (o autor de Pra Frente Brasil), interpretado por Ângela Maria, no lado A. Na outra face, a mesma música tem interpretação do Coro Joab Teixeira. Ambos com orquestração do maestro Guerra Peixe. O disquinho foi patrocinado pela Eletrobrás, e distribuído gratuitamente na Semana da Pátria, de 1970, época de Brasil Grande.

O frevo foi o objetivo inicial da busca por compactos, mas acabei acrescentando os curiosos, e interessantes, como o do grupo Magazine, de Kid Vinil, do hit Tic-Tic Nervoso (Antônio Luiz/Marcos Serra). No lado b, Atentado ao Pudor (Luiz Octavio Oliveira França); Com selo Elektra, este é um compacto de luxo, produzido por Liminha e Pena Schmidt, e participações de músicos renomados, o saxofonista Léo Gandelman e o tecladista Raul Mascarenhas. A capinha foi ilustrada por Angeli. Um que é só curioso, é da dupla Franco & Montoro, de 1982, não se sabe de homenagem ou puxa-saquismo, Franco Montoro (1916/1999) na época era um dos políticos mais fortes de São Paulo (por onde foi deputado, senador e governador).

Na mesma linha ufanista de Ângela Maria, é o compacto da cantora pernambucana Nadja Maria, de 1971, com Lutar Por Um Brasil Maior, marchinha na linha Dom & Ravel, assinada por Edson Arantes do Nascimento, mais conhecido como Pelé, e Alberto Amaral, irmão da cantora, e que tinha o nome artístico de Alberto Kelly. No lado B, o samba Rei Pelé, de Alberto Amaral.

Os compactos são o lado B da história da música brasileira, que sem eles é contada sem um capítulo importante. Muitos intérpretes e grupos ficaram no compacto, sem chegar ao LP como por exemplo o grupo recifense Limusine 99, que deu uma mexida no frevo, com De Sangue Quente (assinada pelos integrantes do grupo). A música ganhou um festival de frevo, promovido pela TV Jornal do Commercio, em 1972. Curioso é que o compacto do Limusine 99 (com quatro músicas) tem uma capa, totalmente fora dos padrões do design moderno, ao mesmo tempo conservador, das capas da Rozenblit.    

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