Quem foi que disse que não ia ter frevo? Carnaval, não sei, mas frevo tem nessa terça-feira, 21, a partir das 19h, na Passadisco (Rua da Hora, 345, Espinheiro), com o lançamento e audição do álbum Outros Frevos, de Alex Mono e Fernando Duarte (em foto de Bettina Guedes), que aterrissa também nas plataformas de música para stream. São dez frevos assinados por Duarte (um deles em parceria com Alex Mono). É a terceira investida de Fernando Duarte no gênero. Em 2019, ele fez Um Frevo Impossível, álbum lançado na mesma Passadisco, com uma exposição que celebrava o projeto Asas da América, de Carlos Fernando, cujo primeiro disco completava 40 anos. Em 2020, foi a vez do EP Mais Frevos Impossíveis, com Surama Ramos e Henrique Albino.
Alex Mono cantou em uma faixa de Um Frevo Impossível. Desta vez, participa de todas, cantando, assinando os arranjos, e pilotando os instrumentos, programações, que revestem as composições de Fernando Duarte, que não toca nenhum instrumento, e convidou Alex para harmonizar suas músicas. Daí para dividirem um álbum foi um passo. A dezena de faixas do disco têm compromisso com o frevo canção, mas o traz para onde está a música da terceira década do século 21. Ou seja, junta e misturada, gêneros ou sonoridades, o acústico e o eletrônico não guardam mais distância entre si. Fernando Duarte trabalha a estrutura básica do frevo como compositor e artista plástico simultaneamente.
No final da década de 80, o frevo viveu sua pior crise. Sem a exposição que a Fábrica de Discos Rozenblit lhe deu dos anos 50 a fins dos anos 70. Continuava-se a lançar LPs, e compactos, de frevo, mas raríssimos chegavam a se popularizar. O repertório dos bailes carnavalescos nos clubes sociais continuava o mesmo dos áureos tempos da Mocambo. Nas emissoras de rádio tocavam-se também os sucessos do passado. Ignoraram completamente a inovação de Carlos Fernando (e a fundamental participação de Geraldo Azevedo) com o citado Asas da América. Os pais do frevo não aceitavam inovações. Carlos Fernando contava que mostrou o Asas da América a Capiba, que retrucou que aquilo não era frevo. Era rock.
Sem novidades, agarrando-se às glórias do passado, com lançamentos de capas toscas, mal gravados (na época havia poucos estúdios de qualidade no Recife), o frevo não atraía a atenção das novas gerações de músicos pernambucanos. A geração manguebeat praticamente o ignorou. Voltou a respirar sem aparelhos, a partir de 2007, quando foi celebrado o aniversário oficial de cem anos do frevo. A visibilidade que ganhou durante todo o ano, com Antonio Nóbrega à frente do arrastão que ocupou o Marco Zero no dia 9 de fevereiro, levou a uma renovação, e a aproximação de músicos que o ignoravam. Houve tradicionalista que criticasse a ideia do maestro Spok de levar o frevo para teatros, mas não com o mesmo vigor de outros tempos.
Já se faz frevo até para ouvir deitado, dissociado do passo, sem que se vejam artigos furiosos nos jornais ou na web. Assim é que autores feito Fernando Duarte estão à vontade para compor outros frevos, como, por exemplo, Improviso, segunda faixa do álbum, que é como se o Kraftwerk caísse no passo, com ajuda de Stockhausen. Duarte discursa a letra, em versos inspirados nos antigos passistas, que praticavam sua arte criando a coreografia ad lib, dançando de acordo com o frevo. Em Marco Zero recorre à forma da poética de João Cabral de Melo Neto, com ambiência eletrônica, e as vozes de Alex Mono e João Paulo Rosas.
Mas o passo está presente em Outros Frevos, em Danço Conforme, cerzido por barulhinhos bons e sintetizados: “Danço e não me arrisco/danço num pulo solto/danço com o que tenho/danço em ponto morto/danço conforme a corda/danço fora do lado (…), ou seja, qualquer maneira de fazer o passo vale à pena.
Um álbum criado nesses dois últimos anos inevitavelmente traz à baila a pandemia, como acontece aqui com Não Tem Frevo em 2021, uma das faixas mais puláveis do disco (com a voz de Escurinho, cantor e percussionista pernambucano com cidadania paraibana). Na letra, paradoxalmente, é apontada a ausência do frevo nas principais avenidas e logradouros que sempre ocupou durante o carnaval atraindo multidões desde mais de um século atrás.
O disco foi gravado entre fevereiro e novembro de 2021, parte no estúdio que Alex Mono mantém em casa. A outra parte em Olinda, no Estúdio MidiOut do engenheiro de som e tecladista Felipe Maia, que faz participações no disco, tocando instrumento MIDI, na mixagem e masterização, e assina a produção com Alex Mono. As experiências comeram soltas, até porque Alex, que é da geração manguebeat (foi da Coração Tribal), tem entre suas muitas referências bandas que atuam no universo da eletrônica como a Stereolab ou Chemical Brother.
Mas há abertura para um frevo (quase) convencional, intitulado Enfim, mais uma faixa apropriada a se fazer o passo. Em plena folia, uma nota triste. Alugar-se estava sendo gravado quando chegou ao estúdio a notícia da morte do guitarrista Paulo Rafael. A homenagem a ele está em um solo de guitarra que alinhava este frevo. Assim como abre com uma música cadenciado, Para Sonhar, o álbum termina meio Acabou Chorare, com uma canção suave, de letra romântica, nostálgica.
A capa é assinada por Fernando Duarte, com design de Renata Cadena. Aliás, Os primeiros cento e cinquenta discos vendidos na loja, virão acompanhados de um sumiê (nanquim sobre papel manteiga) de Duarte.
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