Michael Lang foi o grande empreendedor da Era de Aquarius

Michael Lang, produtor executivo da Woodstock Music and Arts Fair, o Festival de Woodstock, acontecido de 15 a 18 de agosto, em Bethel, estado de Nova Iorque, morreu no sábado, 8 de janeiro de 2022, em consequência de um linfoma, aos 77 anos (faria 78 em dezembro). Estava com 24 incompletos quando começou a empreitada que tornaria a Feira de Música e Artes de Woodstock um dos eventos mais importantes do século 20. Em grande parte, pelo documentário, dirigido por Michael Wadleigh. Não fosse o doc, é provável que o festival passasse a história, como um desastre da geração hippie. A montagem do doc, por Martin Scorsese, fez por onde o filme merecer o subtítulo “Três Dias de Paz e Amor”.

Mas sem Michael Lang não haveria o doc nem, óbvio, o festival. Um dos seus talento era a habilidade de convencimento. Em 1968, tentava um contrato de gravação para uma banda de jazz rock chamada Train. Um amigo lhe disse que conhecia um figurão da Capitol, Art Kornfeld. Lang pediu-lhe uma ficha telefônica, e o número de Kornfeld, que concordou em recebê-lo. Lang convenceu o figurão da indústria fonográfica a fumar o primeiro baseado de sua vida. Aliás, foi o segundo hippie que Kornfeld recebeu. A primeira foi Debbie Harry, da Blondie, então numa banda folk chamada Wind in the Willows. Embora não tenha se agradado do som da Train, Art Kornfeld deu um adiantamento de dez mil dólares para o grupo gravar um disco demo. Kornfeld, além de produtor da gravadora, era compositor de muitos hits até a metade dos anos 60.

A banda foi contratada (logo seriadispensada). Michael Lang tornou-se amigo de Kornfeld. Com frequência ele ia de Woodstock, onde morava, para o apartamento em que o executivo da gravadora morava em Manhattan. Numa de suas conversas com Art Kornfeld lhe contou sobre uma ideia de um musical na Broadway, que teria o nome de The Concert, uma sinfonia que seria escrita por ele e o compositor Anthony Newley (um renomado compositor inglês, que vivia em Nova Iorque). Do ambiente fechado, ele sugeriu que a sinfonia poderia sere apresentada ao ar livre, com nomes como Bob Dylan, Sly Stone, Richie Havenn, vinte nomes diferentes, um quem é quem da música popular. A reação de Kornfeld: “Tá brincando? Seria a maior roubada que alguém produziria. Um monstro. Não conheço um só nome que aceitasse estar nisso”. A lábia de Lang não apenas o convenceu a ser um dos produtores do festival, como a pedir demissão da Capitol.

Lang tinha experiência. Participou, em 1968, da produção do Miami Pop Festival, que reuniu Frank Zappa e The Mothers of Invention, The Crazy World of Arthur Brown, Blue Cheer, John Lee Hooker, Chuck Berry, e grupos pouco conhecido da região. Um vendaval não permitiu que o festival acontecesse nos dois dias programados. A chuva estragou o segundo mas ainda permitiu que Jimi Hendrix fizesse um dos seus grandes shows, e o inspirou a compor, no banco traseiro de um automóvel, sob o maior toró, Rainy Day, Dream Away.

John P. Roberts e Joel Rosenman, dois jovens, com muito dinheiro queriam aplicar em investimentos não convencionais. Foram convencidos a embarcar na Feira de Música e Artes de Woodstock. John P.Roberts tinha três milhões de dólares a receber, mas em doses homeopáticas. Alguns milhares de dólares começaram a ser liberados pra sua conta bancária desde que completou 21 anos. Mas só pegaria a bolada integral quando chegasse aos 35. Ele conseguiu com que um banco lhe adiantasse a grana, para ser reembolsado, com os devidos juros, quando Robert chegasse à idade estabelecida pelo pai.

O problema principal, além de encontrar um local em Woodstock onde se pudesse fazer o festival, era contratar nomes de peso. Até então, Michael Lang só escutava “não”. Em pleno verão, o produtores da maioria das estrelas do Rock alegavam que estariam em turnê pela Europa. Mas Lang tinha conhecimento suficiente do mercado para saber que assim que anunciasse um grande nome, os demais aceitariam tocar no festival. Um produtor ligou para Michael Lang e acenou para a contratação do Creedence Clearwater Revival, então a banda de rock mais popular dos Estados Unidos (e logo do mundo). O CCR recebia entre 5 a 7.500 dólares por duas horas de show. Lhe foi oferecido dez mil dólares para tocar apenas uma hora.

Logo, Woodstock garantiria Tim Hardin (2 mil dólares. Ele é o autor de The Carpenter, Ocarpinteiro, gravada por Ronnie Von em 1967, e que recentemente ganhou um versão brega), Canned Heat (13 mil dólares), Johnny Winter (7.500 dólares), Janis Joplin e o Jefferson Airplane (com cachês iguais: 15 mil dólares). Quando definiram a programação, estavam com o melhor da música contemporânea dos EUA e Inglaterra no festival, que foi apolínio e dionisíaco, ao mesmo tempo. Faltou comida, sanitários, água potável, com a chuva a fazenda de Max Yasgur virou um imenso lamaçal. Não houve violência, mas houve mortes, acidentais. Um trator passou, incidentalmente, por cima de um hippie que dormia chapado.

A Feira de Música e Artes de Woodstock virou a utopia da contracultura no documentário. A montagem de Scorsese é genial ao manipular a realidade. Se outro diretor e montador pegassem as horas e horas de imagens de Woodstock, e fizesse o contrário do que Peter Jackson fez em Get Back, ou seja, mostrasse os perrengues do festival, seria interessante ver a a reação à distopia da Era de Aquarius.  Poderia incluir relatos de quem o assistiu ou tocou lá. Alguns:

Jerry Garcia (Grateful Dead – “Estava todo mundo pirado lá fora e enchendo o palco. Quem estava atrás dos amplificadores dizia que o palco ia desabar. Todo tipo de coisa. Era um astral muito difícil de aguentar quando você tenta tocar música. Não gostamos nem um pouco de tocar lá, mas foi, definitivamente, uma onda.

John Morris, coordenador de produção do festival: “Tem uma cena durante a tempestade em que sou visto à beira de um colapso nervoso. Eu estava com medo de que as torres de luz caíssem, porque elas estavam mexendo-se de um lado para o outro. E havia enormes refletores em cima. Peguei o microfone e comecei a tentar acalmar a multidão. Enquanto estava fazendo isso, me disseram que minha mulher tinha quebrado a bacia numa queda, meu cachorro sumira, e Joan Baez sofrera um aborto. A única verdade disso tudo foi sobre minha esposa, mas eu não sabia na hora”.

Pete Townshend (The Who) – Woodstock foi horrível. Deu muito errado. Podia ter sido extraordinário. Parece que foi um grande evento por causa da visão editada por Michael Wadleigh no filme. Para os que estiveram lá foi uma verdadeira pocilga. Cheia de pesoas infantis e ingênuas. Na Inglaterra temos uma palavra para elas: twits (grosso modo, fedelho).

John Morris : “No doc vêm-se senhores e senhoras, atenciosos com os hippies, oferecendo-lhes comida, como se o conflito de gerações não acontecesse nos três dias de paz e amor. Não foi assim que aconteceu. Eles entraram em pânico em Albany (cidade próxima). Acharam que um bando de hippies empapuçados de drogas iria arrebentar tudo. Muita gente naquelas cidades temia que as hordas subissem as colinas para comer suas vacas, e estuprar suas filhas. Ou estuprar suas vacas e comer suas filhas como canibais. Existia um tremendo medo se você olhar as filmagens de Woodstock, mesmo com as pessoas dizendo Essa garotada é legal, são muito gentis, estão ajudando ou algo assim.Teve gente que pegou a espingarda e sentou na varanda da casa”.

INFLUÊNCIA

 A música que se vê no filme, com os cortes exatos de Scorcese, é primorosa, as demais imagens também. O doc transformou um desastre financeiro num lucro estupendo, com o filme e o álbum triplo. Woodstock girou o mundo, e teve uma influência fundamental para criar cenas undergrounds mundo afora. Estreou no Recife no São Luis e, alguns meses depois no Cine Coliseu, em Casa Amarela. Depois disto, muita gente nunca mais foi a mesma. Três rapazes da classe média da Zona Norte, Paulo Rafael, Lailson e Zé da Flauta formaram uma banda psicodélica, a Phetus. Inspirada em Woodstock, foi produzida A I Feira de Música Experimental de Fazenda Nova, realizada no sábado e domingo, 11 e 12 de novembro, de 1972, no cenário bíblico de Nova Jerusalém. Sem o empreendedor Michael Lang, provavelmente, não teria havido o festival do udigrudi pernambucano, nem toda, hoje lendária, movimentação psicodélica do Recife e Olinda nos anos 70. 

7 comentários em “Michael Lang foi o grande empreendedor da Era de Aquarius

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  1. Estimado Teles,

    Pela grande admiração que tenho pelo mais aguçado crítico de música do Patropi e cronistas do cotidiano recifense, gostaria que o mestre escrevesse um comentário passando a limpo a controvérsia de quem é o autor da letra da música ROSA do mestre Pixinguinha, vez que muitos atribuem a autoria a Otávio de Souza, mecânico do Engenho de Dentro, bairro carioca, muito inteligente e que morreu novo”, afirmação do próprio Pixinguinha; e outros, a maioria dos críticos, atribuem sua autoria a Cândido das Neves, autor de canções românticas, rococós e inesquecíveis,gravadas pelo próprio Pixinguinha.

    Por gentileza nos tire essa dúvida,

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    1. é provavel que seja algum poeta conhecido que não quis se expor como compositor de música de cantor de rádio. Acho que Otávio de Souza foi um nome inventado. Até onde eu saiba a familia nunca apareceu para reivindicar direitos autorais

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  2. É NÓOOOOIIIIIISSSSS!!!
    O The Brazilian Driver assistiu o filme no São Luiz, já de olho de um evento igual, em Fazenda Nova. E fez acontecer a Feira Experimental de Música!

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      1. Não, este ano completa 50 anos da Feira Experimental de Música de Fazenda Nova, acontecida no cenário do palco-platéia de Pilatos. Uma área bem próxima ao portão principal da Nova Jerusalém, com as muralhas ainda em construção. Isso, depois do sucesso do show de uns Violeiros, lá virados Violados, após a peça Calígula, cartaz da única edição do Teatro de Verão da cidade-teatro, em 1971. No início do segundo semestre de 1972, comecei a fazer a cabeça de Plínio pra fazermos um festival de música dentro das muralhas. Pra mim, nos moldes de Woodstock, que eu acabara de assistir. Ele não queria. Mas, findou concordando com a realização da FEM, estritamente na área do palco-platéia, mais perto dos portões de entrada e saída da NJ. Pros outros palcos e platéias, não passava ninguém. E a tal Feira Experimental findou rolando, e fazendo bem jus ao nome, artística e musicalmente falando. Em 73 rolou o show comemorativo do final das filmagens de A Noite do Espantalho, ancorado por Luís Gonzaga, com as participações de Sergio Ricardo, o autor-diretor do filme, Dominguinhos, e os “cantadores” Alceu Valença e Geraldo Azevedo.

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