1972: ano de transição na MPB, com discos antológicos influenciados pela contracultura

Vi algumas listas dos discos tampas de crush de 1972. Teve grandes álbuns, mas foi um ano de entressafra. Desde 1965 que, a cada ano, os artistas da música se superavam em invenção e qualidade, no Brasil, nos EUA, Inglaterra, Argentina, e mundo afora. Os ventos da mudança e extensão de limites circularam pelo planeta. De 1968 a 1971 as safras foram primorosas. 1972 é como se o pessoal pusesse o pé no freio. Mas nem por isso se deixou se gravar obras fundamentais, aqui no Brasil basta citar uma trinca de discos de 50 anos atrás: Clube da Esquina, de Lô Borges e  Milton Nascimento, Expresso 2222, de Gilberto Gil, e Transa, o disco mais bem resolvido de Caetano Veloso. Pra mim, dois discos irretocáveis, quase perfeitos:Transa, de Caetano, e Revolver, dos Beatles. Transa não é perfeito porque a capa, que se abre num prisma criação de Álvaro Guimarães e Aldo Luiz, que só permaneceu na boa intenção, danificava-se-se logo com o manuseio do álbum.
Claro não houve apenas esses três. A Dança da Solidão, de Paulinho da Viola é dessa safra, um dos melhores de um cara que nunca gravou um disco mais ou menos. O mais regular da geração dele. Wanderléa fez a ponta entre a jovem guarda e a vanguarda, com Maravilhosa, também seu melhor disco.
Hoje É o Último Dia do Resto de Sua Vida, oficialmente de Rita Lee, mas na verdade mais um álbum dos Mutantes, está em quase todas as listas de 1972. Mas eu não o colocaria na minha lista. Diz-se que a frase do título é da lavra de Yoko Ono. Não sei. Mas foi o slogan de uma campanha do Banco Safra em 1970. Na capa creditava-se Rita Lee como a dona do LP, mas Arnaldo Batista era quem mais falava à imprensa sobre o disco, pra ele o melhor dos Mutantes: “É a primeira vez que nos satisfaz mesmo, que gostamos de verdade. É mesmo como o nome está dizendo. Este é o primeiro no caminho que a gente vai seguir (JB, 2 de outubro de 1972). Em 31 de dezembro, o JB publicava uma entrevista com Rita Lee, como ex-Mutantes.

Acabou Chorare, de Os Novos Baiano, é o disco antídoto o baixo astral que pairava sobre os brasileiros. Parecia que nem vivíamos a era do sufoco, colocava em prática o refrão de Marcha da Quarta-Feira de Cinzas (Carlos Lyra/Vinicius de Moraes): “E no entanto é preciso cantar”. Meio século depois ainda é preciso cantar, e continua aí o cinquentão Acabou Chorare, que foi feito pra isso. Um belo disco ao vivo, muito cantando nos idos de 72, Caetano e Chico – Juntos e ao Vivo, registro de show no Teatro Castro Alves, em Salvador.

Claro nem só álbuns definem e marcam o ano. No caso de 1972, Pernambuco sentiu o impacto do estrondoso sucesso de Caetano Veloso, com o frevo Chuva Suor e Cerveja. A semana pré-carnavalesca daquele ano foi um fracasso no Recife. Os jornais apontavam que os foliões pernambucanos viajaram para frevar em Salvador, onde 300 mil pessoas cantaram Chuva Suor e Cerveja com Caetano Veloso, na abertura do carnaval da capital baiana. Os frevos novos de Caetano suscitaram polêmicas e debates no Recife, mas também incitaram novos músicos a injetar novidades no frevo. Foi o caso do Quinteto Violado, que estreou em disco, um dos melhores de 1972, com um clássico inédito (sic) de Senô, Duda no Frevo, tocado com solo de flauta, sem metais. Em1972, surgiria A Banda de Pau e Corda, que gravaria no ano seguinte.

No Rio, uma tendência que vinha acontecendo já há algum tempo, naquele ano definiu-se como marca das escolas de samba. Ou seja, os destaque femininos das agremiações foram ocupados por celebridades, socialites, atrizes e afins. Nesse ano a ricaça Béki Klabin, badalada pelo namoro com Waldik Soriano foi um dos destaques. Já os festivais competitivos chegaram a um beco sem saída. O IIV FIC, terminou em porrada, da polícia em jurados e músicos. O jurado Roberto Freire, também psiquiatra, depois conhecido da Somoterapia, teve um braço fraturado à cacetetadas da PM. Foi assim que a geração pós-tropicalista foi apresentada ao país via TV Globo: Fagner, Alceu Valença, Raul Seixas, Geraldo Azevedo, Sérgio Sampaio, Walter Franco, para citar alguns. A partir de 1973, a maioria botaria seus blocos nas ruas.

Voltando aos discos, a lua de mel da crítica com Roberto Carlos estava perto de perder o prazo de validade. O LP de 1972, foi um mais do mesmo. O soul bem condimentado dos discos do fim dos anos 60, dava lugar a baladões à italiana, com a sessão de análise de O Divã (Carlos/Carlos), e os melôs cristãos.  Como em praticamente tudo relativo à cultura, os maiores e melhores são os que o pessoal da imprensa do Rio e São Paulo decide. Em lista alguma, nem mesmo daqui a província foi incluído o histórico LP Vamos Cirandar, o primeiro de cirandas, produzido pelo maestro Nelson Ferreira, com A Ciranda Cobiçada (de Dona Duda), a do Mestre Baracho, e a Ciranda Imperial.

Claro que em 1972, a criatividade virada num mói de coentro, fez-se arte por toda parte. Em Pernambuco, em novembro, aconteceu A Feira Experimental de Música de Fazenda Nova, no teatro ao ar livre de Nova Jerusalém, onde se fermentou o não movimento udigrudi pernambucano. Tamarineira Village (depois Ave Sangria), Nuvem 33, Lula Côrtes, Phetus (banda de Paulo Rafael, Zé da Flauta, e Lailson de Holanda), para citar alguns nomes.

Foi o ano que a nova MPB, a alternativa, ou contracultural de Gal Costa, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Rita Lee, Macalé, Tom Zé, Novos Baianos deu as cartas. Algumas instituições da imprensa, como a Revista do Rádio, e a Intervalo, uma dedicada à radiofonia, a segunda à TV. O conteúdo alimentava-se de fofocas e entrevistas amenas. A Revista do Rádio acabou em 1970. A Intervalo tentou acompanhar os novos tempos, vestiu roupagens alternas, com entrevistas aprofundadas (numa dessas, Maria Bethânia, entrevistada pelo jornalista Sérgio Cabral, revela já ter tentado o suicídio). Não deu. A Intervalo fechou as portas em agosto. O ano estava para a edição nacional do jornal Rolling Stone, que circulou por pouco mais de um ano, tendo como editor Luis Carlos Maciel. Ah, sim 1972, foi o ano do Sesquicentenário da Independência, o governo deu a carga toda. 50 anos atrás os sertanejos criaram pérolas de ufanismo. A música mais (com perdão do clichê) emblemática dos 150 anos do brado retumbante de Dom Pedro, às margens do Ipiranga é de autoria da veneranda dupla Tonico e Tinoco, chama-se Sesquicentenário. E abre com os versinhos: “Salve o povo brasileiro/e seu povo varonil/salve Dom Pedro I/libertou o meu Brasil”.

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