Na metade do meu, ainda, estado covídico fui me consultar com um médico, pra ver se o fígado resistia a mais umas três, ou quatro décadas de conversa fiada em mesa de bar, e o meu pulmão até o final da semana, enfim, se eu estava bem. Madruguei, fui o segundo da fila. No dia anterior, gastei umas duas horas em pé, esperando ser atendido. Nesse ínterim, o nome chamado mais parecido com o meu foi Joceley. Desisti. Até porque naquela recepção quem ainda não tinha covid, tava encaminhando-se pra ter. Eu temia pegar males outros, menos perigosos, porém mais inconvenientes, frieira, impinge ou uma coceira misteriosa que surgiu pelos arredores do Recife.
Devo adiantar que as agruras citadas acima não aconteceram numa UPA ou afim, mas numa clínica de urgência particular em Boa Viagem. Hoje BV é um bairro proletário, que muita gente confunde com o que foi há 50 anos, e acha que quem mora aqui é barão. Boa Viagem não é a Copacabana nordestina, mas um subúrbio sujo e proleta. Vejo filas, aos domingos, de moradores do bairro comprando galeto poeira, nas calçadas, ou barracas por trás do Mercado do bairro. Na região da pracinha onde fica a igreja degradação é elogio.
Mas, como dizia, ao ser tão rudemente interrompido por mim mesmo. Na saleta da repceção, cerca de vinte pessoas. Umas com medo das outras. Quem, foi não foi, tosse, pensa que é gripe, enquanto a tosse do vizinho de cadeira, não há dúvida, é covid. Os pigarros e tosses vão se revezando. A clínica abre às 7h, mas parece que os médicos só pegam no batente às 8h. Ficamos todos segurando, o máximo possível, tosses e pigarros. O senhor que me antecedeu em ordem de chegada é chamado para a sala 03. Eu seria, teoricamente, o segundo, porém na minha frente, em situação de prioridade, tem uma moça dotada do coletivo comorbidade, e mais um senhora que geme a cada movimento que faz;
Finalmente moça do guichê me chama, pede a carteira e pergunta qual o problema. Digo que positivei pra covid. Talvez um pouco alto. Ela comenta ainda mais audível: “É só o que dá aqui. Covid. Ontem foram 200”. Me entrega uma pulseira, dessas de show, não entendo bem o motivo. Deve ser de covip, com perdão do trocadilho infame. Quando me volto, a plateia me olha meio encolhida nas cadeiras. Duas boyzinhas que estavam em pé, perto de mim, procuram abrigo numa sala envidraçada, com ar condicionado. Untam-se de álcool quando entram.
A doutora me chama. Vou à sala indicada. Sento numa cadeira, distante do birô atrás do qual está sentada. Me sinto num interrogatório. Digo que testei positivo pra covid. “E o que o senhor veio fazer aqui?”. “Tirar dúvidas, se tô bem, se meus pulmões estão funcionando legais”. Ela estende um negócio que parece um cortador de unha, no qual prende meu indicador. É um termômetro. Ausculta-me as costas. Diz que estou bem de ar. Me receita um xarope. Antigamente o pessoal vibrava com médicos que receitavam xaropes, com outras substâncias davam baratos. Ao passar pela saleta da recepção, em direção à porta de saída, tusso. Uma mulher tosse de volta, e um rapaz emite uns quatro pigarros, anunciando mais tosse. E assim caminha a humanidade.
(Com o título de Curto & Grosso comecei a publicar uma crônica dominical no Jornal do Commercio, até dezembro de 2020. A estreia aconteceu num mês, que ignoro, em 1992. O C&G está completando, pois, 30 anos)
Teles,
Os fatos hilários narrados pelo nobre escriba em Eu tusso, tu tosses, todos tossem, nesses tempos loucos de pandemia provocada por um maldito vírus chinês, são de deixar a gente morrendo de tanto se rir-se, mesmo diante dessa desgraça.
Mas, o que fazer?, ficar parado, cético? ou encarar a vida e suas mazelas como um cego no meio de tiroteio pesado?
Escolher como morrer ou escolher como morrer?
Mas afinal quem se garante está livre? Sendo assim não é melhor tocar o barco? Vida que segue.
Crônicas hilárias são diversão e vida, publique-as todos os domingos, se puder. Eu sou o primeiro da lista a agradecer.
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Correção:
Escolher como morrer ou escolher como viver?
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estas coisas acho que, quase sempre,
não têm escolha, simplesmente acontecem
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Perguntar não ofende:
Quantos livros de crônicas, escolhidas de C&G o nobre escriba já publicou? Deseja publicar mais ou o mercado está saturado?
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tenho impressão que do C& G foram cinco, têm um de crõnicas de futebol, e um de música, isto de crônicas todos devidamente fora de catálogo
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Qual o título desse de música, ou subtítulo, e se me resta uma gota de possibilidade de encontrá-lo no Mercado do Livro ou na Editora Bagaço.
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kkkkkk marminino, como sempre diversão dominical, ops, segunda-feiral hoje, né?! Quer dizer que Boa Viagem tá pareiando com Copacabana, até na degradação sócio econômica, né?! Há quanto tempo não vais à Princesinha do Mar? Vamos combinar um encontro na poeticamente retratada em canção por Carlos Fernando e Geraldo Azevedo, a Praça do Lido? Aí tu vai ver o que bom pra tosse! Rsrsrs Enfim, do Leme até o Posto 6, em 40, 50% dos quarteirões têm famílias morando nas calçadas. E, em 70, 80% deles se vê uma duas pessoas pedindo esmolas abraçadas e acarinhando cachorros das mais diferentes raças e graças. Certa vez, ano passado, pesquisei a razão daquele fato novo pra mim. O resultado foi o seguinte: QUEM PEDE ESMOLAS COM CACHORROS, FATURA MAIS $$$$! A moda já chegou aí também?!
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é cachorro rende mais empatia do que pedir com criança. Com a pandemia os empresariais perderam inquilinos. A miséria se assenta nas calçadas dos prédios. Ironico é que também se instalaram nas calçadas dos prédios chiques na avenida beira-mar, que agora é pros que têm muito dinheiro e pros que não têm nenhum.
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