Charli XCX faz pop conceitual sobre o embate artistas versus gravadoras

Um dos nomes mais interessantes da música pop recente é a inglesa Charli XCX. Não apenas porque consegue escapar do cul-de-sac em que o gênero se meteu neste século, com a insistência na repetição de frases melódicas, efeitos similares na voz. Há certos discos que se tem a impressão de que as músicas se repetem até o final. Os consumidores se acostumaram às redundâncias musicais. Charli vai além do entretenimento prêt-a-porter. Sua música induz o fã a movimentar também os neurônios, não apenas o corpo.

 Charlotte Emma Aitichison, nascida em Cambridge, foi mais uma adolescente contratada por uma grande gravadora, a Atlantic, que a descobriu pelas canções que postou no My Space. Estava com 16 anos quando assinou contrato para cinco álbuns. Crash, o quinto foi lançado há uma semana. 

Charli XCX teve atritos moderados com a gravadora, por se recusar a seguir os ditames que regem a indústria nesta década do século 21.  Tem milhões de seguidores, embora ainda esteja no patamar do “cult”, o que é um paradoxo no atual mercado musical. Só Good Ones, uma das faixas de Crash, estava até 21 de março, com 51.269.304 de acessos no Spotfy. Charli, que se aproxima dos 30 anos, não é artesã de sorvetes pop. Ela e a gravadora vêm em queda de braço desde o disco de estreia. O quarto álbum, How I’m Feeling Now, de maio de 2020, foi feito em casa, durante seis semanas, na fase braba do lockdown, interagindo com seguidores do Instagram, que contribuíram para o resultado final. Um dos melhores álbuns entre os que foram produzidos sob os efeitos da pandemia.

No último disco do contrato, Charli XCX procurou inspiração no livro Crash, J. Ballard de um escritor considerado difícil, e no filme do livro, dirigido por David Cronenberg. A capa do álbum tem tudo a ver com o livro. A cantora está se segurando no para-brisa de um automóvel, onde foi parar, supõem-se, ao ser atropelada. Um filete de sangue escorre de sua cabeça.

Exatamente no último disco pela Atlantic (caso não renove), ele resolveu seguir as regras do jogo. Deixou as surpresas, mixtapes, experiências de lado, e faz um álbum pop, dançante, com arranjos e melodias elaboradas, com participações de Christine and the Queens, Caroline Polachek, Rina Sawayama. Um disco que, embora tenha influências de estrelas pop do século 20, Madonna, Janet Jackson, New Kids on the Block, é totalmente século 21. Não é um álbum de produtor, mas de produtores, vários. Antes de aterrissar nas plataformas digitais, Charli XCX trabalhou Crash, diariamente nas mídias sociais, o anunciou como “o álbum Janet”, referindo-se a Janet Jackson, claro, pelo formato quase retrô. O disco, como apontou o crítico Owen Myers da Pitchfork, é formado quase inteiramente de potenciais hits, assemelha-se a uma compilação de grandes sucessos.

Aliás, já caminha para isso. Pelas plataformas de música para streaming tem-se ideia de quais as faixas mais tocadas do álbum. Beg for You (com Rina Sawayama) tem 21 milhões de acessos, Baby está com 4 milhões, New Shapes (com Christine and the Queens e Caroline Polachek) foi escutada 11 milhões e 600 mil vezes. Nada mal para uma estrela pop e cult, com um disco conceitual. Crash tem como tema a contenda entre artista e gravadora. Um esforçando-se para manter sua integridade estética, o outro querendo música que venda. Charli XCX finalmente deu à gravadora o que esta lhe exigia desde o inicio do contra: um disco com música pop palatável à primeira audição. Porém um álbum inspirado em Crash, tanto o livro de Ballard, quanto o filme de Cronenberg, não tem como ser uma concessão ao pop chiclete.  

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