Em 1964, o radialista Larry Kane, que acompanhou todas as turnês dos Beatles nos EUA, conversava com os integrantes da banda na suíte de um hotel em Las Vegas. Disse pra eles que no próximo show, em Jacksonville, na Flórida, que a plateia, no estádio Gator Ball, seria segregada. Paul McCartney falou por John Lennon, George Harrison e Ringo Starr: “Não tocaremos lá se os negros forem obrigados a se sentar separados dos brancos”. Os outros Beatles concordaram com Paul. Os produtores do show, e os administradores do estádio a princípio confirmaram que a plateia seria segregada. Mas acabaram concordando. Foi a primeira vez que o famoso Gator Ball teve uma plateia miscigenada.
Os quatro beatles conviviam com negros nos clubes em que tocavam no início do grupo, mas nem todos aceitavam artistas “colored”, como se dizia na época (inclusive no Brasil), mesmo que a população de negros em Liverpool fosse relativamente grande. A cidade foi porto de entrada de africanos na Inglaterra, mercadores de escravos moravam na cidade, que teve a primeira comunidade de negros vindos das colônias inglesas no Caribe. Claro, a população branca discriminava os negros, como também alimentava preconceito contra judeus. Os Beatles, sem levantar bandeiras, e sem proselitismo combateram as desigualdades raciais.
Em outubro de 1962, os Beatles estavam nas paradas com Love me Do, e abriram um show para Little Richard, que se hospedou no Adelphi Hotel. Ali não se aceitavam hóspedes negros, mas se viram obrigados a hospedar o roqueiro americano, provavelmente para evitar um escândalo, que ecoaria internacionalmente. Joe Ankrah, líder do The Chants, um grupo vocal de doo-wop de Liverpool, foi ao Adelphi e conseguiu conversar com Little Richard, admirando-lhe a ousadia de se hospedar num hotel racista. Depois do show, Ankrah foi ao backstage cumprimentar Little Richard, e foi abordado por John Lennon que lhe perguntou se ele era artista. Joe Ankrah contou sobre The Chants. John e Paul se interessaram pelo The Chants, e pediu a Joe que levasse o grupo ao Cavern Club, na sessão do meio-dia (Sessão hora do almoço), depois que os Beatles voltassem de apresentações em Hamburgo, Alemanha.
Joe Ankrah nunca esqueceu aquele dia no Cavern, conforme rememorou para Larry Kane, no livro When They Were Boys (Quando Eles Eram Garotos), um dos melhores relatos, talvez o melhor, sobre os Beatles de final dos anos 50 até 1965, quando se tornou o grupo mais popular do planeta. Kane teve o privilégio de viajar com o quarteto em todos os shows de duas turnês americanas, tornou-se íntimo dos quatro músicos, e de seu entourage.
“A condensação de suor e transpiração estavam grudadas nas paredes, impressionante o odor de gente, bastante condensado, mas era excitante aquilo, sobretudo quando Paul acenou nos chamando para o palco. Cantamos The Duke of Earl (n- sucesso em 1961, com o americano Gene Chandler). Os olhos de Paul se acenderam, George esticou-se, e John correu para o piano e começou a nos acompanhar. Errou algumas notas, mas quem se importou? Não os conhecia direito, mas sabia que uma barreira estava sendo derrubada”, a memória de Joe Ankrah daquela estreia no Cavern Club, onde só tiveram a entrada permitida porque eram convidados de Paul McCartney. Aliás, esta foi segunda barreira que os Beatles punham abaixo. A primeira foi tocar rock and roll no Cavern Club, o que era vetado a quem se apresentasse até então na casa.
A partir dessa canja no Cavern Club, The Chants deixou de ser invisível em Liverpool. Foi até convidado pelo conselho municipal para cantar na festa de despedida dos Beatles da cidade, em1964 (o grupo passou a morar em Londres). Voltando a Jacksonville, o show dos Beatles foi aberto por um grupo nova-iorquino, The Exciters, formado por quatro garotas negras e um rapaz negro. A produção do show e os administradores do estádio vetaram a presença de The Exciters no concerto. Os Beatles reagiram: sem o grupo, os Beatleas se não se apresentariam. Resumindo: The Exciters foi a primeira banda de negros a tocar no Gator Ball.
(Na foto, The Beatles, em 1960, no Indra Club, em Hamburgo, Alemanha).
Mais uma pro meu caderno.
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to reuindo histórias pouco conhecidas dos Beatles. Esta da anti-segregação raramente é comentada
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Rapaz, ultimamente eu tenho escutado muito os primeiros trabalhos dos Beatles, porque sempre fui Rolling Stones e só conhecia os Beatles de Revolver pra cá. Tem me chamado a atenção que, enquanto os Rolling Stones no início da carreira tem os 02 pés fincados nas águas lamacentas do blues americano, as raízes dos Beatles por outro lado estão no bastardo Rock n Roll que já era um negócio mais composto, derivativo, híbrido etc… Talvez daí venha em parte o espírito aventureiro que os boys de Liverpool tiveram em relação à quebra de barreiras de estilos e comportamento. A cada novo LP os Stones aperfeiçoavam sua fórmula enquanto que os Beatles quebravam os seua moldes. Na minha humilde opinião.
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cara, voltei a escutar os discos antigos dos stones, e achei ruins. Eles copiam os blueseiros, não recriam, usam os mesmos arranjos. Os Beatles melhoravam as músicas. Os Stones começam a se encontrar a partirde Aftermath. Twist and Shout cantada por John Lennon dá um banho na versão dos Island Brothers
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