Para vencer no mercado musical americano, mesmo cantando em língua inglesa ou espanhola, o artista tem que morar lá e ralar. João Gilberto, Tom Jobim, Carlos Lyra, Sérgio Mendes, Airto & Flora Purim, Bola Sete, praticamente todos artistas que conseguiram um lugar ao sol da Califórnia armaram a barraca por lá. Gilberto Gil já há alguns anos circula pelos EUA, com casa cheia, mas nunca morou em L.A ou Nova Iorque, portanto é, assim como o mano Caetano, cultuado por uma minoria seleta de admiradores. Tom Zé é um caso à parte. Por fazer música mais aberta, digamos, uma espécie de MPB alternativa muito próxima do rock idem, angariou fãs nas camadas mais jovens dos mais diversos países incluindo o Brasil. Está á vontade com David Byrnew ou Tortoise. É outra história.
A primeira vez que Gil tentou o mercado americano, teve uma mãozinha de Sérgio Mendes. Gravou um LP para americano ouvir, Nightingale, de 1979. O álbum foi lançado em fevereiro daquele ano, com toda pompa, na ONU, com a presença da cúpula da Elektra (subsidiária da Warner Music, que se estabelecera há pouco tempo no Brasil), de empresários de casas de shows, e apresentado como a mais nova promessa de grande sucesso na América, um novo Bob Marley, quem sabe? Gil circulou pelos principais centros do show bizz dos EUA, Los Angeles, San Francisco, Chicago e Nova Iorque, realizando 20 shows em 23 dias.
O disco não aconteceu nos Estados Unidos, mas gerou controvérsias no Brasil. Críticos apontavam concessões para agradar americanos: “Não é uma coisa ligeira, adaptada adaptada para o mercado americano. Querem reduzir a isso, mas não é isso. Foi um trabalho mais profundo do que simplesmente verter. Tive o cuidado de manter o assunto, os temas, tudo o mais próximo possível do original”, defendeu-se Gil em entrevista à Beatriz Schiller, correspondente do Jornal do Brasil em Nova Iorque, ressaltando que o desgosto em relação a concessão ao colonizador “é um sintoma saudável de descolonização”. Mas as críticas desfavoráveis não foram só brasileiras. Na Downbeat se tachou Nightingale de “aspiração à popularidade” por Gilberto Gil.
Ainda, em 1979, sob a guarda de Sergio Mendes, foi gravado um esboço de disco, que seria intitulado Jump for Joy, com a participação de Roberta Flack, do baterista Steve Gadd, mas não passou do tape. O projeto foi arquivado, certamente pela resposta fria da crítica e público para Nightingale. Em 1991, já um nome de prestígio no que então se chamava de “world music”, Gilberto Gil dividiu um álbum o com o saxofonista Ernie Watts, batizado de Afoxé. Na verdade, ele foi mais um convidado de luxo de Watts.
Afoxé é um dos menos conhecidos trabalhos de Gilberto Gil, ao lado de The South African Meeting Of Viramundo (Dreampixies), com a cantora sul-africana Vusi Mahlasela, parte gravada em Joanesburgo e parte no festival de Montreux (em 2011 e 2012. O disco é de 2013), e usado na trilha do doc Viramundo, dirigido por Pierre-Yves Borgeaud. Afoxé (CTI Records) é um álbum que nem consta da discografia oficial no site do cantor, embora ele esteja na maioria das faixas, cantando ou tocando. Um disco que tinha tudo para dar certo, com grandes músicos. Ernie Watts era então um saxofonista requisitado, inclusive pelos Rolling Stones. A ficha técnica ostenta nomes como Marcus Miller, Jack DeJohnette, Eddie Gomez, Kenny Kirkland, Romero Lubambo.
Mas não funciona, o jazz emperra, Os músicos passam a impressão de que se perderam no conceito do disco, supostamente baseado no afoxé. A única faixa bem resolvida do álbum é Oriente, e isto porque há o predomínio de Gil cantando, com outro andamento e clima, um clássico de sua fase contracultural, de macrobiótica e meditação (do álbum Expresso 2222, de 1972). O erro do disco é que nem os gringos fazem concessões à música brasileira, nem Gil ao jazz. Afoxé (Ah-fo-Shay) é uma curiosidade na obra caudalosa de Gilberto Gil. Para matar a curiosidade o álbum está disponível nas plataformas de músicas para streaming.
Vivendo e aprendendo
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a vida é uma escola, no brasil, é uma escola pública
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