Várias pessoas, sobretudo seguidores no insta, quiseram saber o que achei sobre Clube da Esquina ter sido considerado o melhor disco brasileiro de todos os tempos. A consagração numa enquete, acho que da Folha de São Paulo, entre críticos de música. Não participei desta. Participei de uma que escolheria o melhor disco do século 20 (deve ter sido em 2000, ou no final de 1999, não me recordo). O meu disco escolhido foi o 78 rotações de Orlando Silva, de 1937, que traz Carinhoso no lado A (Pixinguinha/João de Barros), e Rosa no B (Pixinguinha/Otávio de Souza).
Qualquer lista de melhores discos brasileiros obrigatoriamente tem que ter Orlando Silva. Infelizmente, o auge do que é considerado o maior cantor do país, em todos os tempos, aconteceu na década de 30, quando só se gravavam 78 rotações. Mas a música de Orlando Silva está disponível em CDs compilados pela Revivendo, quase tudo muito bom. Sugiro a compilação de 1990, intitulada Orlando Silva, com 18 impecáveis faixas, incluindo as gravações originais de Rosa e Carinhoso.
Clube da Esquina é um álbum único, original, e que exerceu, e exerce, uma vasta influência na MPB, mas o melhor do Brasil em todos os tempos, é discutível. Aliás, toda lista é discutível. Citei Orlando Silva, porém a maioria que me segue ou acessa meu blog provavelmente não tem ideia de quem foi Orlando Silva, ou da sua importância na música brasileira. Ou seja, lista reúne discos que uma determinada geração escuta.
A geração dos 30, 40 anos, tornou alguns álbuns dos anos 70 dogmáticos. Acabou Chorare é um deles. É sem dúvidas o melhor álbum dos Novos Baianos, mas recordo que Ezequiel Neves, no jornal Rolling Stone (a edição nacional de 1971) esculachou com um texto cáustico, o compacto com Besta É Tu (depois se redimiu e elogiou desbragadamente o LP). Belchior, que virou o Bob Dylan da turma nascida nos anos 90, foi alvo predileto da crítica na década de 70. Aliás, por falar em Bob Dylan, em O Pasquim, em 1972, o cáustico Ivan Lessa escreveu uma notinha sobre as comparações entre Belchior e Dylan: “Chamam-no de o Bob Dylan brasileiro. Pergunta: o Brasil precisa de um Bob Dylan? Caso positivo, como é que eu faço pra ir embora daqui de vez?”
Belchior apanhava muito da imprensa. Por um tempo foi o saco de pancadas do crítico Roberto Moura, a ponto de Ziraldo, também de o Pasquim escrever uma nota pedindo respeito ao cearense. Foi a deixa para Moura baixar o sarrafo na canção A Palo Seco: “(…) A latinidade é a doença infantil da contestação brasileira. Basta reparar nesta letra de Belchior como a exaltação aos valores continentais significa apenas, sem maior substância, a repetição panfletária de jargões do tipo ‘Abaixo o imperialismo ianque’, ou ‘Fora o neocolonialismo’ (…) Pois é, Ziraldo, A Palo Seco, de melodia pobre estereotipada e americanizada canta que bom mesmo é o tango. Elis Regina, a maior cantora brasileira, entrou bem com esta de latinidade e fez o pior LP dos últimos cinco anos”.
Voltando a Ivan Lessa, com seu sarcasmo espirituoso ele chegou a propor uma parceria ideal para a MPB: a de Luiz Melodia com Belchior. “Um não sabe fazer letra e o outro não sabe fazer música”. Naquela geração certamente discos de Belchior não entrariam numa lista de melhores de todos os tempos.
Voltando ao Clube da Esquina o álbum, duplo, traz um repertório de 20 canções impecáveis. E uma capa, esta considero a melhor de um LP brasileiro em todos os tempos, belíssima foto do recifense Cafi. O disco chegou às lojas em meio a uma das melhores safras da história da MPB, com Transa, de Caetano Veloso, Expresso 2222, de Gilberto Gil, Maravilhosa, de Wanderléa, Para Iluminar A Cidade, de Jorge Mautner, o álbum epônimo de Tom Zé, Anjo Exterminado, de Maria Bethânia, o LP de estreia de Jards Macalé, Água e Vinho, de Egberto Gismonti, o LP de estreia do Quinteto Violado, Caetano e Chico Juntos ao Vivo, São João Quente, de Luiz Gonzaga, a também estreia em LP de Arthur Verocai, Em 1972, Construção, de Chico Buarque, de 1971, ainda repercutia, o álbum permaneceu por muitas semanas entre os mais vendidos e escutados do país. Sem esquecer a estreia, da Zabumba Caruaru, como se chamava então a Banda de Pífanos de Caruaru, um dos discos mais badalados de 1972. Enquanto isso, o Clube da Esquina demorava a decolar.
Não era um disco de harmonias com que o consumidor fosse familiarizado, além de ser caro, por ser duplo. O lançamento não foi muito badalado na imprensa. O JB, por exemplo, então o jornal com o melhor caderno de cultura do país, anunciou o disco numa página de serviços – exposições, teatro, cinema etc – Numa coluna pequena, assinada pelas iniciais P.F.M, apareciam o Clube da Esquina ao lado dos novos álbuns de John Mayall e do Jethro Tull. Textinhos resumidos.
Alguns dias depois, o disco de Lô Borges e Milton Nascimento recebeu um espaço maior no JB, meia página: “Quando as sessões foram iniciadas, em novembro de 1971, Milton e Lô não sabiam exatamente o que seria gravado. Tinham apenas o título e a vontade de aqueles tempos de Minas. Em princípio, depois das primeiras gravações, Milton e seu grupo pretendiam fazer do Clube da Esquina uma ópera popular. Esta ópera contaria a história de uma moça mineira e dos frades de um mosteiro.
A ideia não chegou a ser desenvolvida. Apenas uma cena foi esquematizada – a moça passaria perto do convento e sua canção seria fundida com o coral dos frades. Tudo não passou de uma ideia, porque o disco definitivo só iria surgir depois de uma temporada em Mar Azul, praia próxima a Niterói. Na época Milton Nascimento comentou sobre a feitura do álbum: “O importante era colocar dentro de um estúdio todo mundo que a gente gosta para ver no que é que dava. Disto resultou o Clube da Esquina, um trabalho solto, onde as soluções nasceram por si mesmas, naturais. Todo mundo tocou de tudo. O ritmo dependia do estado de espírito dos músicos”.
Um disco que só poderia ser produzido por mineiros, embora nem todos nos crédito sejam de Minas – Alaíde Costa, Eumir Deodato, Paulo Moura, Gonzaguinha. Em 1978 houve o Clube da Esquina 2. O mas o Clube da Esquina, de 1972, forma uma trilogia com Minas (1975) e Geraes (1976), creditado apenas a Milton Nascimento, mas com o mesmo espírito. Aliás, ambos os álbuns foram bem acolhidos pelo público, tocaram no rádio, e levando muita gente a procurar o álbum Clube da Esquina. Nesta época Milton passou a atrair multidões aos seus shows. Tocou no Recife para um Ginásio de Esportes, o Geraldão, lotado. Há quem considere que o melhor disco da música brasileira seja outro, mas o Clube da Esquina figura, sob qualquer critério obrigatoriamente,, entre os melhores.
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