Paêbirú relançado com sonoridade original. Hélio Rozenblit fala sobre o disco

Paêbirú – O Caminho da Montanha do Sol, de Lula Côrtes e Zé Ramalho, é tido como o álbum mais caro da dicografia brasileira. Não é. Louco Por Você,o LP de estreia de Roberto Carlos, de 1961, é muito mais valioso. Mas valor é o menos importa; Paêbirú é mitológico,  cada vez se sabe algo sobre ele. Por exemplo, a edição que mais conhecida não é a de 1975, quase toda levada pelas águas do Rio Capibaribe, na maior inundação já sofrida pelo Recife. Acontecida naquele ano. Para o lançamento do álbum, em 1976, foi feita uma segunda edição, remasterizada no Rio, com alguns artificios que o estúdio da Rozenblit não dispunha.

Hélio Rozenblit, produtor de Paêbirú, e curador do acervo da Fábrica de Discos Rozenbli, fundada por seu pai e tios em 1953, decidiu relançar o álbum com a mesma sonoridade da edição original, e o disponibiliza nas plataformas de música digital, e no canal da Rozenblit, nessa quinta-feira, 2 de junho. Hélio conversou com telestoques.com sobre o mítico Paêbirú, revelando detalhes não apenas deste, como de outros títulos da psicodelia pernambucana dos anos 70.    

–  Quantas cópias de Paêbirú escaparam da cheia? Em 1976 foi feita mais uma tiragem?

Hélio Rozenblit – Acredito que o planejamento inicial era em torno de 500 cópias, talvez até menos       que isso. O trabalho gráfico desse produto era muito audacioso e caro pra ser realizado, uma tiragem grande seria inviável, além de ser um disco bastante experimental, dificultando a penetração no mercado popular.

Também é difícil determinar quantas unidades do álbum sobreviveram a cheia, de certeza sei que alguns exemplares foram cedidos para os artistas presentes no disco,  porém não sei afirmar se algumas cópias foram entregues à varejistas de forma antecipada e se salvaram das águas. Mas, é importante apontar, que o tempo entre o corte da matriz do disco e a enchente foram de, aproximadamente, três meses, ou seja, o período de produção foi muito curto, principalmente se analisarmos a complexidade gráfica do projeto e, também, que é um LP duplo. Muito provavelmente nem tantas cópias  assim foram feitas, e a grande maioria foi perdida na enchente.

Mas esse produto tão importante não poderia ficar pedido nas águas, desse modo, em 1976, a fita matriz foi enviada para o Rio de Janeiro para a realização de uma  masterização, adicionando diversos efeitos sonoros que não tínhamos nos estúdios Rozenblit que, para nós, iria enriquecer a sonoridade do disco, como reverb, e uma equalização especial. Então, outra tiragem foi feita baseada nessa masterização e assim distribuída ao público em 1976. É importante destacar que existe uma diferenciação entre essas duas prensagens. No rótulo interno da primeira, e raríssima, tiragem é possível notar a inscrição do ano 1975 em todos os quatro lados; Já na segunda tiragem, apenas dois lados possuem a datação de 1975 e as outra duas com a de 1976. Temos    até uma brincadeira interna, chamamos a primeira tiragem de a.C. (antes da cheia) e a segunda de d.C. (depois da cheia).

– Este relançamento que você anuncia, no que basicamente ele se diferencia das reedições que vêm sendo feitas em CD ou vinil?

Hélio Rozenblit – Esse relançamento possui o som puro dos estúdios da fábrica Rozenblit, tal qual  saiu na versão a.C. Fica notável a diferença em diversos momentos do disco, principalmente para aqueles que já escutaram com afinco a versão mais difundida. Com  certeza será uma nova e fundamental experiência para quem curte esse disco ou quem está curioso para se deleitar pela primeira vez. Vale lembra que estamos produzindo um vídeo de altíssima qualidade sobre o processo de digitalização desse material a partir da fita matriz, ficando disponível no canal oficial da Rozenblit no YouTube.

– Os direitos do disco pertencem ao selo Solar, selo do álbum origial,ou da Rozenblit? O disco foi bancado por eles?

Hélio Rozenblit – O Selo Solar foi bolado para abarcar os produtos dos psicodélicos, já que não fazia muito sentido coloca-los no selo Passarela ou Mocambo, por exemplo. Desse modo, o logo do selo e as capas dos dois produtos lançados (Paêbirú e Flaviola e o Bando do Sol) foram feitos por Kátia e Lula, porém o selo em si era da Rozenblit. A arte      era deles sim, mas todo o restante pertencia a fábrica, tanto que todo o resto foi bancado pela Rozenblit, utilizando-se do próprio parque gráfico, estúdio, prensagens e afins.

–  Qual o seu papel e o do Hercílio Bastos na gravação de Paêbirú?

Hélio Rozenblit – Hercilio Bastos não participou desse projeto, nossa colaboração perdurou até o álbum independente Satwa de Laílson e de Lula. Eu fiquei como técnico de som e diretor   de produção.

 As sessões aconteciam à noite, não ficava custoso manter empregados nesse  horário? Começava de que horas e   ia até quando?

Hélio Rozenblit – Na realidade, não havia necessidade de muitos funcionários para a gravação no estúdio, então, à noite, só havia presente eu, meu assistente e o vigia da fábrica, que abria o portão para entrarmos, então não era muito dispendioso. As gravações no estúdio não tinham um horário certo para ocorrer, quando havia  necessidade, varávamos noite a dentro, indo do fim da tarde à madruga com t facilidade. Porém, havia dias que em poucas horas finalizávamos o expediente, então era relativo. Preferíamos à noite pois, normalmente, não havia compromissos marcados  no estúdio, além de eles aparentarem uma maior criatividade no período noturno, então  acho que foi a melhor escolha.

–   Havia alguma planilha, ou o pessoal ia chegando e gravando, o que viesse à cabeça?

Hélio Rozenbli – Lula e zé aparentavam ter uma certa noção de quem entreva e saía das gravações, mas para nós o controle era difícil, parecia que cada novo dia de gravação mais gente chegava.

Vocês gravavam com quantos canais?

Hélio Rozenblit – Eram dois canais com oito entradas de microfones no total, porém na mudança para o estéreo, perdia-se duas entradas para virarem linha. Todo trabalho de mixagem era feito na mesa de som em tempo real, por exemplo a mudança do lado estéreo que o áudio iria ser reproduzido, se seria esquerdo ou direito. O ouvinte pode notar em diversos momentos do disco, principalmente se estiver  escutando por um fone de ouvido, o som circulando a sua cabeça, isso tudo era feito na mesa de som no exato momento em que estava sendo gravado. Foi uma aventura enorme trabalhar nesse projeto, mas sou muito orgulhoso do resultado, ainda mais se paro pra pensar o qual jovem era, na casa dos 18 anos.

–  A gente sabe que Lula era uma pessoa muito de “luas”, ele aprontou alguma durante  as gravações?

Hélio Rozenbli – Não há o que relatar de todos os envolvidos. Lula, Zé Ramalho e o restante eram extremamente profissionais e cuidadosos com tudo que acontecia no estúdio. E eles eram muito jovens, na casa inicial dos 20 anos  ou menos, como Zé da Flauta que tinha    uns 18. É de impressionar a seriedade que esse projeto teve, com certeza eles sabiam a importância que essa obra teria, tudo isso enriquece ainda mais a mítica desse álbum.

–  Paêbiru virou um disco mitológico, considerado o mais caro vinil do país (o que  não é exatamente verdade. O LP de estreia de Roberto Carlos,o original, vale muito mais, assim como o compacto dos Mutantes quando se chamavam O’Seis, o que não vai ao caso. Muito mais raro é Rosa de Sangue, que eu só soube que existia quando seu José Rozenblit me mostrou um LP num escritório que mantinha na Barão de São Borja. Você lembra quantas cópias chegaram a ser fabricadas de Rosa de Sangue?

Hélio Rozenbli –  Não lembro, mas não foram muitas. Infelizmente, após a finalização desse projeto, Lula    o abandonou logo no começo do processo de prensagem, indo para o Rio de Janeiro e acontecendo todo o famoso acorrido com a Ariola. Mas recentemente esse álbum foi disponibilizado em todas as plataformas de streaming, além do vinil físico lançado em parceria com a Deck.

– O lançamento será apenas digital?

Hélio Rozenblit – Por hora, sim. Sairá em todas as plataformas atuais de streaming. Se alguém se interessar pela licença para a produção de material físico, estamos de portar abertas para o diálogo.

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