O cantor, compositor, imortal da ABL,Gilberto Gil, que completará 80 anos em 26 de junho, ganha mais uma homenagem: uma exposição virtual no Google Arts & Culture que reúne parte do seu extenso arquivo pessoal, com fotos, vídeos, áudios. A exposição está tendo grande repercussão na imprensa pela descoberta de um disco inédito, gravado nos Estados Unidos há 40 anos. Produzido por Ralph McDonald, seria o segundo álbum americano de Gil. O primeiro, Nightingale, de 1979, não teve maiores repercussões por lá.
A exposição no Google Arts & Culture, feita em parceria com o Instituto Gilberto Gil, teve coordenação e curadoria da jornalista e pesquisadora Chris Fuscaldo, da Garota FM Edições, com uma equipe de mais de 15 pessoas. Autora de livros em que esmiúça as discografias dos Mutantes e do Legião Urbana, Chris Fuscaldo debruçou-se também sobre a obra musical de Gilberto Gil. Escreveu sobre cada álbum do baiano, de forma mais compacta, porém bastante informativa: “Cada disco está ligado a um período da minha vida, com características próprias que influenciaram o repertório, a composição, a criação das músicas, e a realização dos discos, de sua sonoridade, e com os músicos convidados”, comentário de Gil sobre sua obra fonográfica.
DISCO
Ele mal acabara a turnê do álbum Luar (1981), que circulou pelo Brasil e Europa e Oriente, e viajou para os EUA com Flora Gil, não para uma folga merecida, e sim para gravar mais um disco para o mercado americano. O projeto foi sugerido por Andre Midani, presidente da Warner Music no Brasil. Embora o citado Nightingale, feito com Sérgio Mendes, não tenha decolado, Midani acreditava no potencial de Gil para fazer sucesso no exterior.
O produtor Ralph McDonald e o engenheiro de gravação Richard Alderson foram convocados para trabalhar com Gilberto Gil. O produtor formou uma banda de craques: Grover Washington (sax), Richard Tee (teclados), Steve Gadd (bateria), Marcus Miller (baixo). William Eaton e McDonald colaboraram nas traduções das canções, e encetaram parcerias, de que Gil se lembra pouco. No estúdio Rosebud, em Manhattan, foram gravadas nove músicas: “O álbum é pop, tem uma sonoridade muito fiel àquele momento em que estava em alta a música pop tropical”, comenta Gil num vídeo da época, mostrado na seção da exposição sobre o álbum.
Amiga do produtor, a cantora Roberta Flack faz um dueto com Gil em Jump for Joy, e participa dos backing vocals em outras faixas. Uma dessas é Estrela, esforçando-se para cantar em português (a música seria regravada em 1997, no álbum Quanta). Roberta Flack teve seu grande momento em 1973, quando emplacou um megassucesso internacional, Killing me Softly With His Song (Charles Fox/Norman Gimbel), que lhe deu três prêmios Grammy.
Pronto, o álbum nem ganhou um título. De volta ao Brasil, Gil arquivou o projeto. Foi o disco errado, num momento errado. Ele entrava nos 40 anos, estava separado há seis meses de Sandra, com quem vivia desde 1969, e iniciava o casamento com Flora. Numa entrevista ao Jornal do Brasil (à Cleusa Maria), em maio daquele ano, Gilberto Gil confessa se encontrar “numa fase muito apática, muito sem gosto pela música”. Começara a gravar o álbum Um Banda Um (então com o título de Um Banda de Gente Contente), mas deu uma parada, explicada na mesma entrevista: “Estava sem gosto, sem critério. E isso não é nada normal. É alguma coisa que não está bem. Mas não sei o que é”.
O álbum brasileiro ele terminou e lançou em 1982, mas o americano, trazido numa fita cassete, foi engavetado, depois esquecido. Em 2018, Chris Fuscaldo e Ricardo Schott (jornalista, do @popfantasma) começavam a planejar o que seria esta exposição, e visitaram a Gegê Produções para ver o acervo de Gilberto Gil. Encontraram, como era de se esperar muita coisa. O material estava em duas casas. “Em uma delas encontramos quase mil objetos já obsoletos, mas cheios de histórias em si: fitas de rolo, DAT, VHS, cassete, mini-DV e diversos outros formatos estavam empoeirando, no aguardo do destino final”, conta Chris Fuscaldo numa página da exposição sobre o “disco perdido”.
“Este cassete estava no material de Gil que tinha sido separado por Chris Fuscaldo e a equipe. Acabei achando uma gravação que lembrava muito o material que tinha sido descrito por Marcelo Fróes num texto que escreveu para o relançamento do disco Um Banda Um, a caixa Palco, o tal disco que Gil tinha deixado gravado lá fora. Eu estava na expectativa de encontrar, será que tá por aqui? Então fui ouvindo, e fui vendo que batia. Eu mostrei pra Chris, A gente foi ouvindo juntos e era aquilo mesmo”, conta Ricardo Schott a descoberta do álbum. O conteúdo do k-7 foi encontrado também numa fita DAT, da qual foram retiradas as gravações disponibilizadas na exposição virtual.
40 anos depois, Gilberto Gil comentou, em entrevista a Chris Fuscaldo, sobre o cancelamento do projeto: “Lembro de ter achado que faltavam coisas e sobravam coisas naquele disco. Talvez me tenha incomodado a maneira de produzir muito pragmática. Acho que faltou brasilidade. Senti falta de músicos brasileiros, apesar da excelência dos que participaram. Todos eles tinham experiência em estúdio, de gravações com artistas de variados gêneros musicais. Talvez até por isso eu senti falta de uma certa personalização maior na fabricação do disco”
Gil vai ao ponto. A sonoridade do álbum hoje soa datada, era a do pop black que então predominava, acrescida de elementos caribenhos (o produtor, falecido em 2011, era trinbagoniano-americano). E realmente se ressente da ausência de músicos brasileiros que dialogassem melhor com Gil, apesar do talento da banda. Marcus Miller é um dos grandes nomes do jazz contemporâneo. Já Steve Gadd na época era o mais requisitado baterista de estúdio nos EUA. Se Nightingale foi criticado como muito americanizado, este disco agora descoberto, certamente, teria sido muito mais malhado pelo mesmo motivo. Mas, claro, não é um mau disco. Gil é feito pizza, mesmo quando ruim, é bom.
REPERTÓRIO
You Need Love, Jump for Joy, Estrela (Star), Fill Up the Night With Music, Come on Back Tomorrow, Somebody Like Me, Moon and Star Girl, When the Wind Blows (versão de Deixar Você, do Um Banda Um), Take a Holiday. A faixa Moon and Star Girl é até curiosa. Uma versão de Lua e Estrela, de Vinicius Cantuária, com Caetano Veloso, maior hit do álbum Outras Palavras (1981).
Link do site: artsandculture.google.com/
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