Paulo Diniz (1940/2022) – O adeus a um mestre subestimado da música popular brasileira

Paulo Diniz morreu. É até difícil acreditar, porque, embora debilitado, ele me parecia que iria viver bem além dos seus 82 anos (completados em janeiro). Me aproximei dele há mais ou menos uns dez anos. Durante este tempo fiz algumas matérias sobre Paulo pro Jornal do Commercio. Tinha planos de escrever um livro sobre ele. Cheguei a gravar duas longas conversas com Paulo, no apartamento em que vivia em Boa Viagem. Então veio a pandemia, e não mais o vi. Nos falamos por telefone algumas vezes.

Lendo uma dessas matérias no JC, o compositor e cantor Zé Manoel, que pouco conhecia de Paulo Diniz, me mandou um zap, queria conhece-lo, e produzir um tributo a ele, e conversou com o Sesc em São Paulo sobre isto. Estava bem encaminhado, mas a pandemia impediu que o projeto fosse adiante.

Paulo Diniz, natural de Pesqueira,  no agreste pernambucano, em 24 de janeiro de 1940. Foi locutor na Rádio Jornal do Commercio, no início dos anos 60. Foi demitido por pronunciar errado o nome de um presidente americano (salvo engano, Dwight Einsenhower). Mudou-se para Fortaleza, onde trabalhou em Rádio e TV. Em 1964 foi tentar a carreira no Rio. O primeiro sucesso em disco veio em 1966, com O Chorão, de Luiz Keller e Edson, uma música feita meio cômica, o que era comum na época. Foi sucesso nacional, em levada de iê-iê-iê, e o levou a gravar, em 1967, o LP Brasil, Brasa, Braseiro, pela Copacabana.

Seu próximo álbum se aproxima do soul e da psicodelia, é é totalmente diferente do ingênuo disco de estreia. A mudança deveu-se ao Solar da Fossa, um mítico casarão em Botafogo (onde funciona hoje o Shopping Rio Sul). Ali morava a maioria das grandes cabeças pensantes que vivia na cidade: Glauber Rocha, Naná Vasconcelos, Gal Costa, Paulo Leminski, muita gente boa. Paulo passou a compor com um letrista baiano chamado Odibar. Juntos assinam sete faixas das doze do LP Quero Voltar Pra Bahia, de 1970, um dos discos mais vendidos daquele ano no Brasil.

Quando o sucesso foi diminuindo, Paulo Diniz voltou a Pernambuco, chegou a participar de shows com a turma do udigrudi. Com o poeta Juarez Correya encetou uma parceria, que frutificou em cinco canções, incluídas no álbum Estradas, de 1976. Fizeram várias músicas depois. No entanto, a parceria mais curiosa dos dois foi ir a pé do Recife para Juazeiro do Norte, no Ceará, a terra do Padre Cícero (uma distância de 599 quilômetros).

Paulo Diniz contraiu esquistossomose banhando-se num riacho no interior mineiro. Foram surgindo as complicações que, por fim, o deixaram imobilizado numa cama, só saindo de casa para sessões de hemodiálise, mas não me lembro de vê-lo se queixar nas conversas que tivemos. Tinha um violão próximo à cama. Estava sempre compondo, tentando acordes que se harmonizassem. Insistia para que eu lhe escrevesse umas letras. Não tenho jeito para coisa. Ano passado, acabei mandando-lhe uma por zap. Não sei se prestou, ou se ele musicou. Se foi Paulo Diniz, menos um dos bons.

“A fome, a falta de amigos e a solidão, me levaram à trilha em que estou hoje. Foi até bom pra mim. Aprendi muita coisa, pesquisei, ouvi muito som, e chego à conclusão de que nasci agora. Me descobri de repente, e tenho que aproveitar o tempo que me resta”, de Paulo Diniz, em entrevista à revista Intervalo, em 1970. Estava com 30 anos.

(na foto, Paulo Diniz e Juarez Correya, no final dos anos 70)

33 comentários em “Paulo Diniz (1940/2022) – O adeus a um mestre subestimado da música popular brasileira

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  1. Cresci ouvindo Paulo Diniz.
    Minha mãe era fã dele. Vivia cantarolando as músicas dele; enquanto preparava nossas refeições ou enquanto limpava a casa. Músicas gostosas de ouvir, as quais nunca esqueci as letras… Q pena… Fai fazer falta.😔

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  2. Lamento a morte de Paulo Diniz, que Deus o tenha em seu livro da vida. Os bons estão nos deixando e partindo pra glória. Adeus gente boa!!!!

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  3. Tenho todos os CDs de Paulo Diniz.
    Incluindo Pingos de Amor e Meu Amor Chorou.
    Grandíssimo intérprete e compositor.
    As vezes fica nas sombras ou esquecido de vez.
    Assim como outros grandes da música brasileira,só nos resta olhar pela frestas do passado ,ouvir e sentir o brilho deste grande Paulo Diniz.
    Grato.

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  4. Para não dizer que não falei

    de Paulo Diniz

    Era uma voz estridente
    Marcante nesse país
    Cantando vibrantemente
    Eu não vim pra ser feliz
    A tristeza era enorme
    Mas cantava desconforme
    Poeta Paulo Diniz

    Lá pro auge da Ditadura
    Paulo Diniz cantador
    Soube driblar a Censura
    Certo órgão repressor
    Nas rádios a gente ouvia
    “Quero Voltar pra Bahia”
    Tudo com Pingos de Amor

    Cantarolando empolgado
    Pouco dava pra notar
    A Canção prum exilado
    Expulso desse lugar
    Que ficou sem Sol Dourado
    Violão, Silenciado
    Tendo a solidão por par

    Quem cantou para Caetano
    Num Exílio sofredor
    Era um pernambucano
    Altivo compositor
    De letras tão singulares
    Algumas, subliminares
    Para amenizar a dor

    Lá dum tempo dolorido
    Do Porão Torturador
    Paulo Diniz foi querido
    Até por conservador
    Sua voz sintonizada
    Com uma companheirada
    Era um canto alentador

    Cantador dos mais amados
    Que a uma geração marcou
    Sem ter com nós combinado
    Pra eternidade rumou
    E José pergunta: e agora?
    Só se sabe, nessa hora
    Que aqui “O Meu Amor Chorou”

    Ah, que com sua partida
    Quando o mal quer nos ruir
    Mesmo com este genocida
    Dá vontade de sair
    Pondo na minha Moringa
    Um Arco-íris, uma pinga
    E um Chopp Pra Distrair

    Jetro Cabano Fagundes
    Farinheiro do Marajó e de Ananin

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  5. Sempre achei o Paulo Diniz,o Tom Waits brasileiro. Um gênio que não abria mão de nada, tanto seu trabalho, como sua vida pessoal,enfim gênio é assim mesmo. Drummond já deve batido longas conversa com o Paulo.

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  6. Lamento muito. Gosto de suas músicas. Conheci pessoalmente numa das viradas culturais de São Paulo.
    Debilitado, mas, foi um belo show!

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      1. Minha geração vivenciou a originalidade da sua música com carinhosa motivação.
        Tal singularidade leva a crer que outras gerações também irão entender que “se vc morresse mas vc não morre” a torna imortal tanto quanto é letra drumondiana.
        Curioso também é que ele foi um raríssimo caso de compositor que musicava letras.

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  7. Acompanhei a carreira artística de Paulo Diniz, conversamos certa vez no bar Mustang Boa Vista, estava presente Juarez Correia, Marcos cantor (Palmares), simples, atencioso, assim era o Paulo Diniz, realmente ficou no esquecimento um dos maiores da música brasileira.

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  8. Como não possuo redes sociais, só soube da ida de Paulo Diniz agora depois de assinar o TelesToques. Estou profundamente sentido. Paulo Diniz tocou minha infância/adolescência,me fez querer aprender o que era música.

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