58 anos atrás ocorreu um fenômeno na música pop que passou à história como “A Invasão Britânica”. Com o hábito de olhar para o próprio umbigo, os americanos lixavam-se para o que acontecia em outros países. Poucos sabiam da Inglaterra que, para muitos deles, era um lugar que ficava na França. O apresentador de TV Ed Sullivan (1901/1974), tornou-se famoso internacionalmente por ter promovido a estreia de The Beatles na TV americana, e batido todos os recordes de audiência nos EUA, em fevereiro de 1964. Ele contava que estava no aeroporto de Heathrow, em Londres, quando se surpreendeu com milhares de adolescentes agitadas, contidas por policiais. Achou que fosse alguém da família real, ou um astro de Hollywood. Surpreendeu-se mais ainda quando lhe contaram que as garotas estavam ali esperando um grupo chamado The Beatles, que vinha de uma turnê pela Escandinávia.
Na verdade, Sullivan soube dos Beatles por um agente seu na Inglaterra. Costumava trazer ao seu programa a artistas da Europa, davam um toque de classe ao roteiro, embora fossem geralmente desconhecidos para os telespectadores. Música feita na Inglaterra raramente emplacava nos Estados Unidos. Um desses raros foi Mr. Acker Bilk, com Stranger on the Shore, tema de uma série de TV, o primeiro inglês a alcançar o topo da parada dos 100 Mais da Billboard, em 1962. No final daquele ano, o grupo de rock instrumental The Tornados, com o surf Telstar também chegou ao primeiros lugares no superparadão da Billboard. Acontecimentos que pareciam prenunciar o que aconteceria dali a dois anos.
O sucesso sem precedentes dos Beatles foi contado em livros, filmes, docs, porém raramente se lembram de contar a saga da banda Dave Clark Five, quase tão bem sucedido quanto os Beatles, porém com uma performance financeira superior ao quarteto de Liverpool. The Dave Clark Five era um grupo diferente. Dave Clark era baterista. Raros os grupos, a não ser no jazz, com um baterista bandleader. Quase nenhum em que o líder fosse também o empresário. Mais do que isto: mestre em finanças.
Claro, o Dave Clark Five só segurou o sucesso nos dois anos iniciais da British Invasion, não acompanhou a evolução da música pop, quando esta passou das canções juvenis para experimentações, psicodelia etc. Mas nos Estados Unidos o DCF só foi superado pelos Beatles, e foram muito mais reconhecidos nos Estados Unidos do que em seu próprio país.
David Clark (Totteham, Midlesex1939), como a maioria das bandas que colocaram a Inglaterra o mapa da música pop, começou com um grupo de skiffle, que se tornou o Dave Clark Five. Antes, foi dublê com participações em mais de 50 filmes. Bonito, elegante e comunicativo, ele abriu as portas com facilidade para seu grupo, na TV e nas paradas inglesas. Mas, ao contrário dos demais grupos ingleses, não batalhou para ser contratado por uma gravadora. Com o dinheiro amealhado com seu trabalho no cinema, ele bancou a gravação do disco de estreia do Dave Clark Five e, em seguida, fez um acordo para distribuição com a EMI.
Estourado com Glad All Over, Dave Clark esperou o momento certo para cruzar o Atlântico, e tentar vencer nos EUA. Fez isso, enquanto os Beatles estavam ocupados filmando A Hard Day’s Night. Claro, acertaram uma aparição no The Ed Sullivan Show. O vocalista, e tecladista, Mike Smith (1943/2008) relembraria anos mais tarde, que ainda continuava num emprego convencional, quando a banda foi para os EUA: “Naquele dia larguei do emprego, para fazer minha primeira viagem de avião. Foi também a primeira vez em que me hospedei num hotel, e que sai da Inglaterra”. Foram muitos “primeiros”. Na primeira apresentação no programa de Sullivan (do qual participaram 17 vezes ao longo de três anos) a audiência foi de 70 milhões de telespectadores.
Dave Clark sabia negociar. Sullivan convidou o grupo para uma segunda apresentação na mesma semana. Clark disse que seria impossível porque tinham um show no mesmo dia. Sullivan disse que cobriria o cachê do show. Dave Clark aceitou, mas disse que o grupo não queria passar os dias off em Nova Iorque. Ed Sullivan perguntou para onde pretendiam ir: “Montego Bay”, foi a resposta. Assim um grupo quase amador, viu-se desfrutando do sol jamaicano tudo pago pela produção do The Sullivan Show. Um semana realmente intensa para o DCF que, derrubaria I Want to Hold Your Hand, dos Beatles do primeiro lugar da Billboard, com Glad All Over.
Dave entendeu que deveria aproveitar o máximo daquela galinha dos ovos de ouro. A História provava que grupos de rock, ainda tido como passatempo juvenil, não duravam muito tempo. Resolveu desdenhar o mercado inglês e europeu, e investir no americano. Só em 1964, o DCF lançou sete compactos (o que chamam de single) e quatro álbuns nos estados Unidos, alguns só lançados na Inglaterra no século 21.
Nos dois da “Invasão Britânica” ninguém faturou mais do que Dave Clark. Ao contrário de roqueiros conterrâneos que torravam muita grana em farras, drogas e extravagâncias afins, ele investiu o primeiro milhão de dólares que acumulou. Assegurou para si os direitos autorais de tudo o que a banda gravou. Comprou todas as imagens que pode de aparições do DCF em programas de TV, incluindo uma edição do programa Ready Steady Go, da BBC, em que apareciam.
O Dave Clark Five acabou em 1970, com uma volta eventual e rápida. Dave Clark soube administrar o seu acervo particular. Até 1993, não havia material oficial do DCF no mercado. Nesse ano, começou a relançar a música, mas em doses homeopáticas. Inicialmente produziu um CD duplo, distribuído pela EMI. Depois liberou para a Disney o programa da BBC. Em 2009 parte da música do Dave Clark Five entrou na plataforma iTunes. Somente em 2019, Dave Clark liberou a discografia do DCF para o Spotfy.
A música do Dave Clark Five é uma das mais vibrantes da “Invasão Britânica”, muito mais americanizada do que as dos contemporâneos feito os Rolling Stones que cantam blues com pesado sotaque inglês, só mais recentemente o grupo ganhou maior simpatia na Inglaterra. Alguns discos ficaram datados, sobretudo os que gravaram a partir de 1966. Mas a administração financeira da banda por David Clark pode servir como lição até para artistas que estão entrando no mercado neste momento.
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