texto abaixo é do release que escrevi para o projeto de Carlos Malta e o Pife Muderno que celebrou os 80 anos de Gilberto Gil, intitulado Em Gil, composto por quatro discos, o primeiro dos quais, Suíte Viramundo, já está disponível nas plataformas de música digital.
Gilberto Gil voltou de Londres em 14 de janeiro 1972, quase que imediatamente, adentrou o estúdio da Polygram, sob a batuta de Roberto Menescal, inaugurando a então moderníssima mesa com 16 canais da gravadora, a primeira do país. O resultado desta empreitada foi um marco da música popular brasileira, o álbum Expresso 2222. Um disco que tocou bastante no rádio, sobretudo a faixa título. Expresso 2222 completa 50 anos em 2022, enquanto Gil inteira 80 anos. O carioca Carlos Alberto Daltro Malta foi influenciado por aquele álbum e por Gilberto Gil, em cuja banda tocou durante quatro anos, e resolveu homenagear o baiano pelas simbólicas oito décadas de vida, regravando-o. Mas indo além de um simples tributo para cravar a data. Carlos Malta e o Pife Muderno produziram um projeto abrangendo todas as fases, momentos, da obra de Gil, que será lançado pela Deck, e terá show de estreia em 30 de julho, no Theatro Prudential, no Rio.
A música de Gilberto Gil permeia a memória afetiva de Carlos Malta. Estava com sete anos quando o baiano, com Caetano Veloso e Mutantes, virou a mesa da MPB no III festival da Música Popular Brasileira, da TV Record. A letra cinematográfica de Domingo no Parque arrebatou o garoto: “A cada verso cantado eu imaginava a cena e, no balanço da capoeira, eu via o parque, o sorvete, a rosa e a roda gigante, oi girando, via a briga, olha a faca!”. No final da canção, lágrimas vieram-lhe aos olhos. Estava com 12 anos quando o irmão, Lula, comprou o álbum Expresso 2222. O disco daria um rumo à vida do garoto. A faixa de abertura Pipoca Moderna foi uma das várias músicas da Banda de Pífanos de Caruaru (na época chamada de Zabumba Caruaru) gravadas por Gil. Em Expresso 2222 é instrumental, mais tarde receberia letra de Caetano Veloso.
Mas foi aquele tema que arrebatou Carlos Malta. Coincidentemente, Gilberto Gil realizou no Recife, em março de 1972, o primeiro show no Brasil depois do exílio de três anos, e voltou à Caruaru para rever a banda de pífano dos Biano, que estrearia em disco em outubro daquele mesmo ano.
Meio século depois, Malta relembra os efeitos provocado pelo antológico disco do baiano: “Senti a importância dessa abertura feita pelos pífanos e fui procurar saber mais sobre o assunto. Descobri Mestre Vitalino, e a cultura do pífano brasileiro, e senti que naquele LP estava o mapa de minha jornada nesta vida. Comecei a tocar flauta e tornei-me um músico inspirado pelas músicas do Brasil. Gil foi meu 1º timoneiro, sempre levando sua obra a novos mares, me revelando outros ares”. Ele não poderia navegar por mares mais propícios. Antes de Gilberto Gil, foram 12 anos com Hermeto Pascoal, que cresceu em Lagoa das Canoas (AL), ao som das bandas de pífanos, e se tornou músico na Rádio Difusora de Caruaru, onde conviveria com os muitos pifeiros que viviam na cidade.
TRIBUTO
Portanto ninguém mais apropriado do que Carlos Malta e o Pife Muderno a realizar um tributo a Gilberto Gil, que chega aos emblemáticos 80 anos em 26 de junho de 2022. Um tributo reforçado, que se estende a quatro discos, dez músicas em cada, abrangendo seis décadas da obra multifacetada de Gilberto Passos Gil Moreira, iniciada em 1962, ainda em Salvador, quando Carlos Malta tinha dois anos. Carlos Malta e Pife Muderno em Gil é o título do projeto, da Carlos Malta Produções Artísticas e Gegê Produções Artísticas, e que aterrissa nas plataformas de música para streaming em julho, o show dos discos acontece no dia 30 de desse mês.
O projeto está dividido em suítes, quais sejam Suíte Tempo Rei, Suíte Festa e Suíte Primazia. As músicas, por sua vez estão na íntegra, em pot-pourris, vinhetas. Foram gravadas no Estúdio Palco, de Gilberto Gil, entre outubro de 2021 e maio de 2022. Com produção, direção musical e arranjos de Carlos Malta. Estas foram as últimas gravações do baterista Oscar Bolão, um mestre no instrumento, falecido em fevereiro de 2022. Desfalca a formação de luminares da Pife Muderno, formado agora por Andrea Ernest Dias (flautas), Marcos Suzano (pandeiro, programações eletrônicas), Durval Pereira (zabumba) e Bernardo Aguiar (percussão), um grupo já com 28 anos de carreira. Carlos Malta e Pife Muderno em Gil é dedicado a Bolão.
Gilberto Gil participou ativamente do projeto, figurando em oito faixas. Na Suíte Viramundo, no pot-pourri com Procissão-Louvação-Viramundo; Suíte Tempo Rei, com Tempo Rei e Oriente; Suíte Festa, com São João Xangô Menino, e Suíte Primazia, com Ciranda das Flores. E ainda: Gilberto Gil e Carlos assinam a inédita Xamã Xapiri – Dança de apresentação, inspirada em cantos indígenas. Gil participará do show de lançamento dos discos em audiovisual, que também será utilizado para divulgação do projeto, O vídeo é assinado por Louise Botkay, formada em cinema na França pela École Nationale Supérieure des Métiers de l’Image et du Son, La Fémis. O violonista Yamandú Costa é o outro convidado do disco, participando de Yamandú Bounce, composta em sua homenagem por Gilberto Gil.
DISCOS
Parafraseando a definição de Gilberto Gil feita por Torquato Neto (1944/1972), em texto para contracapa do LP de estreia do baiano, “há várias formas de se fazer música, Carlos Malta e Pife Muderno preferem todas”. Nas quatro suítes deste projeto escutam-se afro, indígena, baião, xaxado, frevo, ijexá, samba, reggae, jazz, música de câmara, pop, soul e muito mais. A sonoridade rústica das zabumbas nordestinas é permeada pela percussão eletrônica de Marcos Suzano, mas de forma tão delicada quanto o som de flautas e pífanos. Aliás, assim como as bandas de pífanos tradicionais, o Pife Muderno tem a percussão tão protagonista quanto os instrumentos de sopro.
A maioria das faixas é instrumental o que realça detalhes da música de Gilberto Gil aos quais pouco se atenta. A grande influência dele, confessadamente, foi Luiz Gonzaga (1912/1989) que, por sua, vez trouxe em seu matulão muitos temas que aprendeu com as bandas de pífanos, que animavam festejos juninos, ou tocavam a trilha das novenas. Um círculo se fecha com esta abordagem de Carlos Malta e Pife Muderno que, por sua vez, realça o brilhantismo de Gil para melodias belas e envolventes, a exemplo da dançante Toda Menina Baiana que, em toque de banda de pífanos ganha um colorido novo, o ijexá se aproxima do forró. Um rock and roll à Chuck Berry, em Expresso 2222, Back in Bahia ganha uma roupagem meio xote, meio rock. Domingo no Parque, segue o arranjo original, mas o ritmo de baião é reforçado pela percussão, e improvisos nos sopros.
Ao longo dos anos, muitos intérpretes recorreram a caudalosa obra de Gilberto Gil, foram muitos os tributos, mas nenhum assemelhado a este Carlos Malta e Pife Muderno em Gil que, feito o baião, vem debaixo do barro do chão.
PIFE MUDERNO
Carlos Malta, multinstrumentista, compositor e educador, com mais de 40 anos de carreira, artista que possui um estilo totalmente original e marcante. É referência absoluta no universo dos sopros, por sua história, performance inconfundível e a multiplicidade do seu som.
Andrea Ernest Dias, flautista atuante em diversas vertentes da música instrumental brasileira desde a década de 1980. Foi flautista da Orquestra Sinfônica Nacional–UFF de 1991 a 2019. Doutora em música brasileira, traz o som feminino do grupo, com erudição e refinamento.
Marcos Suzano, percussionista de referência mundial que reinventou o som do pandeiro, e vem atuando em gravações, shows e aulas há 30 anos. Ao lado de grande nomes como Gilberto Gil, Ney Matogrosso, Djavan, Paulo Moura, Nana Vasconcelos, Miyazawa Kazufumi, Zizi Possi.
Durval Pereira, nascido na Paraíba, é único nordestino do grupo (que é todo carioca). Com sua precisão e suingue inigualável, é um dos grandes destaques do zabumba no mundo, tambor considerado o coração da banda de pífanos. Acompanhou inúmeros artistas em sua longa carreira e toca hoje com Elba Ramalho, entre outros.
Bernardo Aguiar, músico, produtor musical, professor e pesquisador, desde criança se interessou pelo universo da percussão. Aos 13 anos era solista da orquestra de pandeiros Pandemonium e aos 17 passou a integrar o grupo Pife Muderno, desenvolvendo seu som potente com personalidade própria.
Carlos Malta e o Pife Muderno é uma das maiores referências da música instrumental mundial. Uma invenção cheia de raízes fincadas na boa música brasileira, como as bandas de pifes, Quinteto Violado, Gil, e Hermeto Pascoal, entre outras maravilhas. Viva!
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e apois, amaro filho?
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