Magic Slim tocou no Recife, em 2077, no Oi Blues by Night, no Teatro da UFPE, de saudosa memória. Naquele ano, projeto de Giovanni Papaleo trouxe também Stanley Jordan. Magic Slim, na época já era um dos grandes nomes da cena blues de Chicago. Voltou a tocar aqui no carnaval de 2010, no Rec-beat, no Bairro do Recife, e no Garanhuns Jazz.
Depois do show da UFPE, fui ao camarim do blueseiro. Lá estava ele, sentado, pitando um baseado de dimensões consideráveis, e amaciando a garganta com umas talagadas de Jack Daniels. Eu queria pegar o set-list, ou, em bom português, o repertório do show. Com cara de “não enche”, disse que não se lembrava o que tinha tocado, pediu a um músico de sua banda, também guitarrista, que me passasse o nome das canções.
Quero crer que este músico fosse John Primer, que tocou por muitos anos, com Magic Slim, acho que até a morte deste, em 2013.
John Primer, 77 anos, é considerado um dos últimos do blues elétrico clássico de Chicago. Veio do Mississippi, aos 18 anos, com um objetivo em mente: tocar com Muddy Waters. Formou uma bandinha que se apresentou em espeluncas na Maxwell Street, depois tocaria com todos os grandes que atuavam ou passavam pela cidade: Muddy Waters, Willie Dixon, Buddy Guy, Junior Wells. Animou noitadas blueseiras na mais famosa casa de Chicago, Theresa’s Lounge (fechado em 1986, quando o dono não quis mais renovar contrato de aluguel). Aliás, vários “point’ do blues de Chicago fecharam. E a maioria dos que o plugaram na tomada também. Assim, embora John Primer não seja um pioneiro do blues elétrico, criado lá pelo final dos anos 40, ele é um dos que deram continuidade ao estilo.
Durante a pandemia, Primer vasculhou seus arquivos, compôs novas canções, fez uma seleção de 13 delas, todas inéditas e lançou nessa sexta-feira, 16, Hard Times, álbum gravado no estúdio Rax Trax, com a Real Deal Blues Band, grupo que o acompanha tem alguns anos: Steve Bell (gaita), Lenny Media (bateria), Dave Forte (baixista), mais convidados, Rick Kreher (guitarra base), Johnny Iguana (piano e órgão), e on piano and órgão). Aliya, filha de John Primer, canta numa faixa, sua estreia em disco.
Primer canta e toca blues como sambistas do morro cantavam e tocavam sambas, incursionando pelas suas vertentes, e ele continua a tradição do blues elétrico se aproximando muito do ecletismo de Muddy Waters, seu ídolo. E um blues mais pra cima, mais pra dança do que pra lamentações existenciais. Hard Times, a música, é um shuffle irresistível, o cara tanto canta com o maior e afinadíssimo vozeirão, quanto toca com uma precisão digna dos grandes blueseiros, de quem foi aprendiz. Assim como Magic Slim, ele é chegado a bourbon e um baseado: “Bebo meu uísque quando tô a fim de ficar bêbado/fumo meu baseado quando quero viajar/vamos ao que interessa/enrole um bem grandão, e vamos nessa”, de Whiskey, com que fecha o disco.
Hard Times é tão fiel às raízes do blues de Chicago que, não fosse pelo sotaque, poderia passar por um disco de um músico britânico dos anos 60 e 70, que tocavam pela cartilha dos blueseiros de Chicago, talvez um disco perdido do irlandês Rory Gallagher, um dos melhores da geração que levou americanos a revalorizarem a música que tinham em casa e esnobavam.
“Vamos ao que interessa” que saudades do blues. Grata!🥰 Deweras
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