Nas comemorações dos 30 anos do manguebeat estão faltando homenagens e reverências ao Bloco Afro Lamento Negro, nascido em 1987, em Peixinhos periferia de Olinda. Se o Lamento Negro não tivesse existido, o Nação Zumbi talvez existisse, provavelmente com o mesmo nome, mas dificilmente com a mesma sonoridade. Chico Science, Dengue, Lúcio Maia e Jorge du Peixe, certamente teriam feito música, provavelmente com o mesmo destaque que obtiveram, mas não é possível conjecturar que caminhos sonoros seguiriam. A rota da vida dos quatro foi modificada, radicalmente, quando Gilmar “Bola Oito” Correa, convidou Francisco França, seu colega de trabalho, na Emprel (empresa processadora de dados municipal), para o ensaio de um bloco de samba reggae do qual ele participava. O grupo era o citado Lamento Negro.
Tudo começou com uma turma que gostava de dançar break, curtir música negra americana e da Jamaica. Um garoto da turma, chamado Nequinho conheceu o Alafin Oyó, grupo olindense de afoxé, e entusiasmou-se com o que viu: “Ele disse a gente, no Centro Social de Peixinhos, que tinha visto uma negrada dançando diferente do estilo nosso. A gente não tinha conhecimento de afoxé. Chegamos lá e dançamos break com os atabaques deles. Resolvemos fazer aquilo em Peixinhos, mas misturando com as coisas que a gente ouvia”, conta Osmair José, ou Maia Nomini, um dos fundadores do LN.
Em 1987, o Brock ainda era a música que predominava nas paradas de sucesso, a música local era desprestigiada. Aqui ali havia bolsões de inquietudes, sobretudo nos nichos de heavy metal e punk rock. Na Bahia a axé já era sucesso, e grupos afro de Salvador começavam a ser conhecidos fora do estado. Os pernambucanos interessavam-se pelo recém-criado Olodum, e desdenhavam os centenários maracatus, que só apareciam na imprensa no período carnavalesco e viviam há anos em crise. “Maureliano ouvia muito reggae, e sugeriu o nome, que veio dos Wailers, do grupo de Bob Marley, Os Lamentadores. A gente começou pegando o som dos tambores do Olodum, Muzenza, Araketu, fazendo samba reggae, para desfilar no Carnaval de Olinda. Depois incrementamos com maracatu, coco de roda, rap, veio daí aquela misturada de ritmos”, continua Maia que estava então com 13 anos.
Todos eles eram adolescentes, não tinham onde ensaiar, nem instrumentos para tocar. Ali perto havia uma ONG, o Daruê Malungo, de Gilson José de Santana, o Mestre Meia-Noite (também conhecido por Chau), capoeirista, integrante do Balé Popular do Recife (um dos braços do Armorial, de Ariano Suassuna). Chau emprestou instrumentos e o espaço para os garotos, e ainda sugeriu que em vez dos tambores do Olodum, experimentassem as alfaias do maracatu. Os break boys de Peixinhos deixaram a black music americana em segundo plano, e se concentraram na cultura popular, que havia em fartura onde eles viviam, mas à qual, até então não davam atenção. O Lamento Negro começou a sair no Carnaval de Olinda como um bloco, que tocava afoxé e samba-reggae, mas logo se tornou também uma banda, de onde saíram os batuqueiros do Chico Science e Nação Zumbi.
PEIXINHOS
“Uma das coisas que a gente costuma falar: Pernambuco tem uma musicalidade antes e depois do Lamento Negro. Do grupo vieram o Nação Zumbi, Coração Tribal, grupo de samba, os maracatus passaram a ter outra visibilidade. Antes ninguém sabia o que era uma alfaia. O que o Lamento Negro fez por Pernambuco não tem reconhecimento, sem nem falar do trabalho social, que tivemos que interromper porque a gente não tem sede pra dar nossas oficinas. Tem o projeto Troque sua arma por um tambor, mas tivemos que limitar as oficinas”, queixa-se Maia, líder do LN. Conceição Fayola, baiana do Curuzu, que se integrou às hostes do Lamento Negro, complementa: “O Lamento luta pra continuar fazendo um trabalho social, estamos na casa Crer (Comitê Estadual de Promoção da Igualdade Étnico Racial) lá no Carmo, mas só vamos fazer oficinas de percussão, canto coral, e dança. Reduzimos porque pras crianças irem é distante, a gente preferia fazer em Peixinhos”.
Peixinhos ganhou visibilidade depois que integrantes do Lamento Negro foram incorporados à cozinha percussiva do Chico Science & Nação Zumbi, e por grupos como o Via Sat. O abandonado Matadouro do bairro foi reformado e rebatizado de Nascedouro, um centro cultural, onde o grupo gravou Toques das Nações, o disco dos 30 anos: “o Nascedouro não tem mais o mesmo vigor de quando a gente chegou lá pra trabalhar com cultura. O teatro está fechado, o prédio está ameaçado. Tem um conflito, porque fica em Olinda, mas quem administra é o governo do estado, o Centro Tecnológico de Cultura Digital. O que acho triste é que já veio ali tantas pessoas importantes culturalmente, Afrika Bambaata, Gilberto Gil, um monte e gente, e está daquele jeito”, comenta Maia.
Maia lembra que Otto também foi batuqueiro do Lamento Negro: “Ele chegou no ensaio do Lamento levado por Chico Science, até 1992 ele tocava com a gente. A primeira gravação que fizemos foi uma demo com participação de Chico Science cantando a Cidade. Gravamos duas músicas para botar no CD Rock de Elcy (dono de loja de discos, e produtor nos anos 90). Mesmo depois de ficar famoso, quando voltava das viagens com a banda, Chico vinha em Peixinhos, tomava uma com a gente. Igual àquela música dele, Passeio no Mundo Livre, que diz ‘Eu só quero andar, nas ruas de Peixinhos’. Chico está até hoje com o Lamento, acho que ele não deixou a gente nunca”. Dos percussionistas do Lamento Negro que estavam na formação do Chico Science &Nação Zumbi, definida no final de 1993, só resta Toca Ogan. Gira deixou a banda em 2000, e faleceu em 2017, Gilmar Bola 8 saiu em 2015, continua morando em Peixinhos, e com a banda Combo X.
(Matéria originalmente publicada no Jornal do Commercio, nos 30 anos do Lamento Negro, e atualizada para estes 30 anos de manguebeat).
Tinha uma banda muito boa em Peixinhos nessa época,chamada Serpente Negra, que fazia um rock metal com batuques, usava alfaia também, se não me engano. Triste Peixinhos.
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Tu és um monstro, Zé Teles. Por que o prefeito de Olinda não faz nada????
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a casa onde funciona o daruê malungo deveria ter sido tombada há muitos anos e ser ponto turístico. Aí vale o clichê: Se fosse na Bahia …
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nesta pesquisa pro livro da Soparia tô vendo muito nome de banda dos anos 90 que nem cheguei a conhecer
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Lamento Negro – que retorne, esquecimento bem vindo ao atual estado degradante da nossa Cultura que é plural, resulta da população que predomina – negra, branca, indígena. Saravá!
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