O carioca Jorge Mautner viu maracatu pela primeira vez no aniversário de quarto centenário de São Paulo, onde cresceu. Um maracatu nação, de baque virado. Duas décadas depois ele compôs e lançou em disco Maracatu Atômico (em parceria com Nelson Jacobina). A música foi gravada por Gilberto Gil, lançada em compacto no mesmo ano, 1974. Não foi muito tocada com Mautner, que tinha já o status de cult, escutado por poucos. Mas Gil vinha de um megahit, Só Quero Um Xodó (Dominguinhos/Anastácia), que tocava muito nas emissoras de rádio desde 1972. Com ele, Maracatu Atômico virou sucesso.
Corta para abril de 2012. No Festival Cine PE, no Cine São Luiz, foi exibido o curta Maracatu Atômico – Kaosnavial, de Marcelo Pedroso e Afonso Oliveira, sobre a ida de Jorge Mautner à Aliança, na Zona da Mata, e seu encontro com Zé Duda, mestre do Maracatu Estrela de Ouro, de Aliança, Mata Norte de Pernambuco, acontecido em 2006. Mautner conheceu assim o outro maracatu, o rural, de trombone, ou de orquestra, como o maracatu de baque solto foi chamado no inicio dos anos 60. Até então este variante do maracatu era pouco conhecida no Recife, não tinha uma denominação definida.
A rigor nem seria um maracatu, já que o nação vem diretamente do negro cativo trazido da África, enquanto esta manifestação da Zona da Mata é miscigenada, por negros e indígenas, tem até mais desses últimos. Da religião, a Jurema, à ausência de polirritmia, das viradas nos tambores do maracatu nação. Aliás, também de alfaias. O nome foi definido por volta de 1965 pela antropóloga, vejam só, americana Katarina Real, que pontificou, por alguns anos na cultura do estado, sendo até presidente da Comissão Pernambucana de Folclore. Curioso, se aceitar, sem ninguém chiar na imprensa, uma gringa em posto tão importante, e logo no tão ciosamente nativista, e bairrista, Pernambuco.
Mas aí é outra história. Na que estou contando entra o baiano Jorge Davidson Prisco Silva, nascido em Salvador, mas criado no Rio, para onde foi ainda criança. Jorge Davidson, como é conhecido no meio artístico, era diretor musical da Sony Music, em 1994, quando contratou Chico Science & Nação Zumbi. Depois de Da Lama ao Caos ter sido sucesso de crítica, mas vender pouco, Jorge Davidson, resolveu interferir no segundo álbum do CSNZ, ao considerar que não havia um hit no repertório de Afrocibederlia, título do trabalho. E havia, vários, em ambos os discos. Mas se tratava de um formato musical novo, que não havia tido tempo de ser assimilado pelo consumidor.
Sem adjetivos para rotular a música de Chico Science & Nação Zumbi, a imprensa passou a chamá-la de maracatu atômico, nome de composição de Jorge Mautner que, verdade seja dita, tem pouco ou nada de maracatu, o ritmo. Davidson sugeriu que a CSNZ acrescentasse a música ao repertório. Mas ela só foi gravada, às pressas, depois do disco concluído. Chico Science não pretendia incluí-la. O grupo acabou cedendo a registrando a canção. Chico Science era um intérprete que imprimia sua personalidade ao que cantava. Fez isto com Todos Estão Surdos (Roberto e Erasmo), do álbum tributo Rei (1994, Sony Music). E igualmente em Maracatu Atômico.
O diretor musical da Sony estava certo. Maracatu Atômico foi o hit de Afrocibederlia. Mas não impulsionou a carreira de Jorge Mautner como se diz. Em 1994, começou um revival de Mautner, que lançava o álbum Pedra Bruta. Ele ganhou matéria de capa de jornais cariocas, entre estas a do Caderno B, do Jornal do Brasil, então muito influente. Maracatu Atômico recebeu nova regravação em Pedra Bruta (na voz de Celso Sim), com uma roupagem meio forrozeira, cerzida por um acordeom. É possível que a volta de Mautner às vitrinas tenha influenciado Jorge Davidson a pedir que a CSNZ a gravasse.
Afrocibederlia chegou às lojas com uma trinca de versões da música de Mautner, incluídas sem notificar o grupo, como faixas extras:
“A gravadora bem que tentou, mas não conseguiu estragar o segundo disco do Chico Science & Nação Zumbi, Afrocibederlia. À revelia da banda, A Sony Music incluiu três faixas, remixes diferentes de Maracatu Atômico de Jorge Mautner (…). Afrocibederlia já nasceu antológico, apesar das três faixas bônus intrusas empurradas goela abaixo da banda pela gravadora Sony Music na calada da noite”, escreveu o crítico do Jornal do Brasil, Edmundo Barreiros (em 22 de maio de1996).
O certo é que a CSNZ fez poucos maracatus, usou mais os tambores, alfaias, do baque virado. E Maracatu Atômico não é um maracatu, nem mesmo na versão de Chico Science & Nação Zumbi.
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