Crônica: Quase indo desta pra melhor no Dia de Finados no México

Tive sorte de ir ao México, dez anos atrás, e conferir a festa do Dia de Finados por lá. Uma curiosidade que tinha desde que vi, no Teatro do Parque, os fragmentos de Que Viva México, que Sergei Eisenstein deixou inacabado. Passei por uma escola, e a pirralhada descia de um ônibus, todos com caveirinhas nos rostos. Numa padaria, um cartaz oferecendo pão dos mortos, com o slogan: “Para comer o pão dos mortos tens que estar vivo”.

Duas caveiras femininas, em tamanho natural, vestidos de um azul berrante, ornamentam uma banca de revistas. Via-se algo referente à morte por toda parte. No noticiário da TV, pessoas nos túmulos dos parentes ou amigos, comemorando e bebemorando. Dia dos Mortos mexicano é farto em comida e bebida. E pelo jeito os que se foram gostavam de uma birita. Em todos os repastos há garrafas de tequila.

Vou a um restaurante de um pequeno shopping. Na entrada, numa mesa, sobre uma toalha, tíbias, crâneos, frutas, pão dos mortos, um tubo de tequila. Cá no Brasil seria considerado um despacho. Faltava uma galinha preta pra dar o grau. Nesse meu primeiro Dia dos Mortos, na cidade do México achei que iria parar no outro plano, em ter feito nenhum plano para isso.

Nesse ano, o real tava bem na fita. Não me recordo a paridade com o peso, mas o poder de compra do real era joinha. Pedi um bregueço pra enganar a fome. Não sou de comer muito, engano a fome. Mas veio muito. Só a entrada pra mim tava de bom tamanho. Uma cervejinha, claro, pra acompanhar. Na primeira garfada, os olhos encheram-se de lágrimas, labaredas saíram pelas ventas, e faltou-me a respiração.

Nada de infarto, ou mal afim. Pimenta. Mexicano aprecia pimenta, e valendo.  No meu prato botaram pimenta que daria pra uma baiana untar uns cem acarajés. Eu era o único cliente do restaurante. Tomei um gole generoso da cerveja. Não adiantou. A morte aproximava-se de mim no Dia dos Mortos. Junto com a comida, veio um potinho com o que imaginei fosse geleia adocicada. Era geleia, mas de pimenta, e de uma cepa mais forte. A garganta fechou. Virei-me procurando a garçonete. Ela entendeu o que se passava. Deveria estar acostumada. Veio em meu socorro com um copo de leite. Mandou que eu entornasse o precioso líquido da vaca. Um santo remédio. Quase dou um cheiro na moça que me salvou a vida. Nos meus dias restantes na Cidade do México procedi feito o macaco que engoliu um bola de bilhar. Antes de comer qualquer coisa, colocava um tiquinho de nada na ponta da língua, pra sentir o grau de picância.

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