Maria Bethânia conta a O Pasquim como deu um pau no empresário, e porque não militou nas hostes tropicalistas

“O grupo baiano não foi inventado pelo Guilherme Araújo. Depois eu fui contratada pelo Guilherme Araújo, naquela época em que fiz um show no Cangaceiro. Nem conhecia ele. Fui conhecê-lo aqui. Fiz aquele show, e depois ele apresentou também o Gilberto Gil no Cangaceiro, e disse que iria fazer toda a série baiana, porque eu pedi para ele fazer. E eu falava com ele assim: assina contrato com os meninos, assina. Mas ele dizia que não. Que o Caetano não queria trabalhar, não sei o quê. Dava sapatos velhos para os meninos, sabe, para eles usarem. Fazia horrores. Eu ficava irritada com aquilo. Até que um dia eu briguei com o Guilherme Araújo.

Quem ganhava mais de todos era eu. Eu tive uma briga com ele porque não me pagou uma apresentação na TV Excelsior de São Paulo, e me cobrou uma conta de maquiagem de 600 contos durante seis meses. Mas eu falava com ele: Guilherme, já paguei. E ele ficava: 600 contos, 600 contos, 600 contos. Até que um dia, eu não aguentava mais, dei uma surra nele. Quebrei a cara dele. Havia até uns caras da televisão francesa, que estavam filmando lá em casa, saiu todo mundo correndo. Eu estava tomando banho, e ele falando, falando, falando. Eu sai nua e dei uma surra nele, sabe? Eu estava molhada, saí nuazinha, pelada. Ele gritava: Cuidado com meu maxilar, cuidado com meu maxilar, pelo amor de Deus. Joguei o abajur nele”

Trecho pinçado de uma entrevista de Maria Bethânia a o semanário O Pasquim, em 1969, publicada a pedidos de seguidores. Citei, en passant, essas briga numa postagem sobre Gal Costa. Nessa entrevista Bethânia reforça a tese de que não participou do tropicalismo porque rompeu com Guilherme Araújo. Chegou a irromper no escritório dele e rasgou, na marra, o contrato que tinha assinado com a Gapa (Guilherme Araújo Produções Artísticas).

 Depois da surra, Guilherme Araújo disse que iria processar a cantora. Quando ela leu sobre isso no jornal, decidiu ir ao escritório do empresário.

“Fui lá, entrei, ele estava dormindo. Eu o acordei e disse pra ele: Senta aí, olha pro chão, e não diga uma palavra. Vai me ouvir. Aí eu falei pra ele tudo. Eu esculhambei bastante. Falei mal dele, da mãe dele, da família dele toda, e disse: Agora me dá meu contrato que eu vou rasgar ele. E ele não posso não, não sei o quê. Eu disse: Me dá, hein. Aí ele me deu, rasguei o contrato todo, joguei na cara dele. E disse: Agora me processa. Aí ficou meu inimigo definitivo”.

Mas Maria Bethânia continuou trabalhando com ele, porque Guilherme Araújo não deixou de ir à casa dela (na entrevista, diz que o empresário tem vergonha na cara).

“Quando eu fazia um show com ele, ele me levava tanto dinheiro, mas tanto, tão exagerado que foi me irritando. Eu disse: Não quero mais trabalhar com você, não quero, com empresário nenhum. Pelo amor de Deus, suma da minha vida”.

Logo depois aconteceriam as transgressões estéticas e de comportamento que se tornaram conhecidas como Tropicália.

“Eu só não entrei no grupo, não foi por falta de convite não. Quer dizer, Caetano nunca me convidou pra nada, porque ele me respeita, como eu respeito ele, como pessoa e como cantora. Ele fez uma fez uma coisa, quem quisesse se chegar que se chegasse. Quem quis se chegou”.

Bethânia conta que Guilherme Araújo, que foi em grande parte responsável pelo visual dos tropicalistas, e deu mote para canções, a tentou cooptar para o movimento; “Agora o Guilherme vivia me enchendo que eu deveria cantar vestida de fada, sei lá. Era um pouco esquisito pro meu gosto, né? (…) Então não me meti na onda do Caetano. Agora nunca achei errado o que eles fizeram. Nunca achei nada feio. Pelo contrário. Eu tenho paixão por tudo o que Caetano e Gil fazem”.

Quando fala do tropicalismo (sem dizer o nome do movimento), Maria Bethânia, só cita Caetano e Gil. No final da entrevista, perguntam-lhe o que acha de Gal Costa, se ela seria a melhor cantora do Brasil naquele momento. A resposta lacônica de Bethânia: “Bem, ela é a mais falada do momento”.  A pergunta é refeita. Seria Gal uma grande cantora? E Bethânia: “Ela é uma cantora moderna. Cabelo, roupa, gritos, tudo isso”. No ano da Tropicália, Maria Bethânia lançou o álbum Recital na Boite Barroco, em cujo repertório incluiu três canções tropicalista, Baby, Marginália II (Gilbert Gil/Torquato Neto), e Ele Falava Nisso Todo Dia (Gilberto Gil). E ainda, a então inédita, e pouco conhecida, Maria Maria (Caetano Veloso/Capinam),

(Foto reproduzida de O Pasquim, que não deu crédito ao autor)

6 comentários em “Maria Bethânia conta a O Pasquim como deu um pau no empresário, e porque não militou nas hostes tropicalistas

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      1. Obrigado pela resposta respeitosamente considerativa, grande Teles!

        Estou já ansioso esperando a matéria sobre o filisofoda Liêdinho, homem de talento imenso e risadas simples!

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