A Edições Sesc, anunciando o lançamento do segundo volume, de um total de cinco, do projeto Álbum: a história da música brasileira por seus discos, empreitada do jornalista Pedro Alexandre Sanchez (paranaense, em São Paulo desde os anos 90). O agora lançado, inicialmente em formato digital, chama-se Álbum 2 – 1972 a 1978: samba, rebelião sexual e segundo levante negro. O volume inicial intitula-se Álbum 1 – 1950 a 1972: Saudade, bossa nova e as revoluções dos anos 1960. A autor faz um apanhado dos LPs que considera mais significativos, em diversas vertentes da MPB. Nessa época o formato era o mais consumido pelos brasileiros, e até símbolo de status possuir uma radiola, um móvel não apenas prático, como também decorativo. Geralmente colocado na sala de visitas.
Parte do período aqui enquadrado é também o mais cultuado pela turma nascida entre meados dos anos 90 e o início do século 21, a época e que a cultura hippie, devidamente tropicalizada adentrou na MPB, e a indústria do disco estendeu-se para outros movimentos e movimentações país afora.
Um trecho da introdução que Pedro Alexandre Sanchez escreveu para o livro:
“Se, no final dos anos 1950, o advento simultâneo da bossa nova e do rock brasileiro significou a consolidação do formato dos álbuns long – playing de 12 polegadas, a era dos festivais e a revolução tropicalista da segunda metade dos anos 1960 pavimentaram o caminho para o primeiro apogeu dos “bolachões” na indústria fonográfica brasileira. Na primeira metade da década de 1970, os álbuns conceituais, meticulosamente idealizados e gravados, passaram a nortear toda a produção musical no país. Um retrato perfeito do dinamismo e da expansão das gravadoras foi o selo Disco é cultura, inserido nas contracapas dos LPs como sinalização não assumida de que havia investimento do governo federal naqueles produtos de artistas brasileiros. Pela Lei Complementar nº 4, de 2 de dezembro de 1969, as empresas produtoras de discos foram autorizadas a abater gastos com direitos autorais artísticos e conexos brasileiros do Imposto sobre Circulação de Mercadorias (ICMS)”.
No Brasil grande dos generais, e seus áulicos tecnocratas, incentivavam o consumo, e de certa forma tiveram sucesso. Mesmo que para isso assumissem atitudes paradoxais. Ao mesmo tempo em que concediam benesses à indústria do disco, a censura federal agia com ferocidade, proibindo não apenas letras, mas LPs inteiros. Promoviam ações como o Projeto Pixinguinha, sem impor condições ao elenco selecionado, tanto que Gonzaguinha, um dos mais censurados daquela geração, participou do Pixinguinha. Mais uma transcrição do texto introdutório de Sanches:
“A ação combinada entre governo, indústria fonográfica e mídia audiovisual provocou grandes repercussões na música brasileira. O efeito mais imediato foi a expansão da gravação e circulação de músicas e artistas de todas as regiões do país: pouco a pouco, o Disco é cultura passou a incorporar artistas e movimentos musicais oriundos de diversos estados do país – especialmente de Minas Gerais, Ceará, Pernambuco, Paraíba, Pará e Rio Grande do Sul. O samba tomou as paradas de sucesso com uma geração nova, promissora e comprometida, mas, em termos artísticos, os estilhaços da tropicália se espalharam, assumiram liderança e nunca mais refluíram”.
O livro está dividido em blocos temáticos, o primeiro deles intitulado: Caetano e Gil voltam do exílio: o experimentalismo, o rock rural, e o espírito hippie ganham a música brasileira. O trecho a seguir foi pinçado do verbete sobre o álbum de Jards Macalé: “A pulsão de morte e suicídio vigente no Brasil de Garrastazu Médici produz ‘malditos’ – e discos antológicos – a granel, a exemplo dos álbuns de estreia de Jorge Mautner (Para Iluminar a Cidade, 1972), Luiz Melodia (Pérola Negra), e Walter Franco (Ou Não, o célebre disco da mosca, 1973). Produz também a continuidade semiclandestina, exilada para dentro, da obra de Tom Zé (Todos os Olhos, 1973). Na Fronteira entre a maldição e o mercado de massa, num primeiro momento de transição Inglaterra- Brasil, Caetano Veloso concebe o extraordinário Transa (1972) e o já mais dissoluto Araçá Azul (1973), que teve como codinome Um disco para entendidos. Macalé o diretor musical não creditado em Transa, algo que as tessituras de seu próprio Jards Macalé evidenciam.
Adiante, Caetano desistirá dos hermetismos (pós) tropicalistas, que continuarão sendo bandeiras agitadas por Tom Zé, Macalé, Mautner, Walter Franco e outros ‘malditos’, ‘malucos de cuca fundida’, que surgirão na falsa encruzilhada entre ser heróis ou marginais. Mais que de heróis ou malditos, talvez eles possam ser chamados de vanguardistas. Mas a seleção de LPs com que Pedro Alexandre conta a história da MPB não tem o viés do disco “cabeça”, percorre as diversas trilhas da música brasileira sempre versátil, pródiga em bifurcações.
Na última década a MPB vem sendo enriquecida com livros que preservam e perscrutam sua memória, este projeto das Edições Sesc, por Pedro Aleaxandre Sanches é uma preciosa e oportuna contribuição à música em particular, e à cultura brasileira em geral.
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