MPB teve um 2022 farto em livros, que vão de biografia de Roberto Carlos, a uma detalhada história da psicodelia recifense dos anos 70

A Bibliografia da música popular brasileira teve em 2022 um dos anos mais fartos em livros sobre o tema. Certamente a derrubada, pelo STF, em 2015, da necessidade de autorização prévia para publicação de biografias contribuiu para que escritores se debruçassem sobre a vida de bandas, compositores, intérpretes, sem medir as palavras, nem a apreensão de ser alvo de processos.  Vamos a uma pequena parte da safra 2022.

O mineiro Paulo César Araújo, vítima de censura, e de apreensão de seu livro Roberto Carlos em Detalhes, em 2006, escreveu mais uma biografia do Rei, tendo como leit-motiv suas canções, em Roberto Carlos – Outra Vez – 1941 – 1970 Volume 1 (Editora Record). Esta, sim, narra a vida de RC com a maior quantidade possível de detalhes sobre a vida de alguém tão cioso de sua privacidade, e blindado pelos que o cercam. Muito do conteúdo do livro está na biografia anterior.

O melhor do texto acaba sendo a gênese de boa parte do cancioneiro do cantor, e nesse período está o melhor que gravou. Daí em diante, ele se assumiria o estilo romântico, meio na linha do baladão italiano. Outra Vez foi lançado no final de 2021, mas a maioria das resenhas sobre o livro é de 2022, provavelmente pelas suas 978 páginas, que poderiam ser reduzidas a umas 700 sem prejudicar a narrativa.

Paula Lavigne esteve à frente da cruzada contra as biografias não autorizada, criadora do grupo Procure Saber, chegou a bate-boca, com a jornalista Barbara Gancia, no GNT, num roda que debatia a liberdade de expressão. É provável que se o STF não houvesse determinado o fim da censura prévia sobre biografias, a Record teria problemas com o livro Outras Palavras – Seis Vezes Caetano, do jornalista e escritor paulista Tom Cardoso, autor de bios de Nara Leão e Sócrates, entre outras.

Baseado em pesquisas, a maioria em jornais e revistas, Tom aborda assunto íntimos, mas que caíram na imprensa: o namoro de Caetano Veloso com Regina Casé, a atração sexual mútua, nunca consumada, entre ele e Gal Costa, as polêmicas com a imprensa, o relacionamento com suas esposas, Dedé Gadelha, a primeira, e Paula Lavigne, incluindo o início do relacionamento com a segunda, ele com 40 anos, ela com 13. Tudo é fato, mais ou menos, conhecido, mas só por quem acompanha de perto o noticiário sobre o baiano.

Caetano Veloso foi tema de pelo menos cinco livros em 2022, um dos melhores é Lado C – A trajetória musical de Caetano Veloso até a Reinvenção com a Banda Cê, de Tito Guedes e Luiz Felipe Carneiro, o foco principal do livro é a trilogia Cê (2006), Zii Zie (2008), e Abraçaço (2012). A importância do livro deve-se a ser esta a fase menos conhecida da obra do baiano, e a mais ousada. Nos três discos, Caetano Veloso não faz a menor concessão. Tito e Luiz procuram esclarecer como se chegou a essa guinada estética fora da curva da obra do artista.

A história geral da MPB ganhou livros importantes em 2022. Dois deles: História da Música Popular Brasileira sem Preconceitos 2 – De Fins dos Explosivos Anos 70 ao início dos anos 2020 (Editora Record), de Rodrigo Faour e Álbum 2 – 1972 a 1978: Samba, Rebelião Sexual e Segundo Levante Negro, de Pedro Alexandre Sanches (Edições Sesc). Ambos abordam a história a seu modo. Faour não faz distinção entre MPB, a música cafona, ou brega, um funk da periferia, ou o soul nacional. Sanches selecionou LPs da década de 70, escreve sobre eles, contextualizando-os em sua época.

Mais ou menos o que oferece 1979 – O Ano Que Ressignificou a MPB (Garota FM Books), organizado por Célio Albuquerque, só que limitado ao ano citado no título. Em 574 páginas, são comentados cem discos importante de 1979, com textos assinados pela mesma quantidade autores, entre os quais estão jornalistas, músicos, compositores, produtores, dos mais diversos estados do país.  

Num ano em que obras primas da música popular completaram 50 anos, nenhuma foi tão badalada quanto o álbum Clube da Esquina, de Lô Borges e Milton Nascimento, ainda mais porque Bituca realizou sua turnê final. A Garota FM Books, que tem lançados livros essenciais para a história da MPB, publicou De Tudo se Faz Canção – 50 Anos do Clube da Esquina, organizado por Márcio Borges e Chris Fuscaldo, com depoimentos dos que fizeram o disco, como o próprio coautor, e de outras pessoas que de alguma forma têm relação com sua feitura.

Também pela atuante Garota FM Books, do blog Pop & Arte (no G1), o jornalista, crítico musical Mauro Ferreira lançou Ensaios Sobre 35 Grandes Vozes de Mulheres da Música Brasileira, indo de Elza Soares à Anitta, passando por Gal Costa, Elba Ramalho ou Marisa Monte.

 Por fim, para não alongar demasiadamente o texto, Diário de um Invertido – Escritos Líricos Aflitos e Despudorados (Salvador 1956 – (Editora Noir), textos de Edy Star, que historia a barra de ser homossexual,  na Salvador dos anos 50, início dos 60. Tanto na família e vizinhança, quanto na escola e na cidade em geral.

PERNAMBUCO

A música pernambucana também teve sua história reforçada nesse 2022, com livros que abordaram do frevo ao manguebeat, passando pelo udigrudi dos anos 70. No dia 30, foi lançada a edição digital de Frevo Vivo, um livro do Paço do Frevo, que celebrou os dez anos do gênero como Patrimônio Cultural e Imaterial da Humanidade, auferido pela Unesco. Organizado pelo titular deste blog, Frevo Vivo reúne textos de pessoas ligadas à música e ao passo, especialistas, cada qual focando um aspecto do frevo. O livro terá edição impressa em fevereiro de 2023.

Cena musical que o Brasil ignorava até o final de 2000, quando foi enfocada, resumida, no livro Do Frevo ao Manguebeat (Editora 34, também da minha lavra), o udigrudi, ou psicodelia pernambucana já foi alvo de docs, livros, teses acadêmicas. Em 2022, ganhou o melhor de todas as obras sobre o tema: Valsa dos Cogumelos – A Psicodelia Recifense 1968\1981, de Rogério Medeiros, uma abrangente história daquela cena, iniciada por suas primeiras manifestações no tropicalismo à pernambucana no final dos anos 60, até os últimos discos no inicio dos anos 80.

Salta para o manguebeat, com Memórias de um Motorista de Turnês (Cepe), de Paulo André Moraes Pires, produtor do Abril pro Rock, e empresário de bandas, entre as quais a Chico Science & Nação Zumbi, Mundo Livre S/A, e Cascabulho. Paulo André conta histórias de bastidores das quais foi testemunha ou protagonista, no Recife, pelo Brasil e no exterior.

Volta ao udigrudi, com Ave Sangria e Outras Batalhas, de Marco Polo Guimarães, um dos compositores e vocalista da banda Ave Sangria, a única da psicodelia dos anos 70 a gravar disco por uma gravadora do Sudeste, e logo depois cair nas garras da censura. Livro de texto curto, mas de muita informação. O livro tem selo da Mariposa Cartonera, uma edição artesanal, feita em papel reciclável, e com várias capas diferentes.

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