A música brasileira já foi sinônimo de excelência no mercado americano, europeu e japonês. Num nicho reduzido, sofisticado continua sendo, porém ainda com canções e artistas surgidos com a bossa nova, ou que entraram em cena logo em seguida. Nos anos 60 tornou-se tão comum música brasileira, ou músicos brasileiros, fazendo sucesso nos EUA, que fomos nos habituando a escutar Chove Chuva ou Zazueira, de Jorge Ben (ainda sem o Jor), Águas de Março, com gringos.
Sérgio Mendes, bossa novista de primeira hora, competia nas paradas americanas com Beatles, ou Herb Alpert e Tijuana Brass, Frank Sinatra, a voz do século 20, dividiu um álbum com Tom Jobim, Astrud Gilberto, com The Girl From Ipanema, disputou o paradão da Billboard, e do resto do planeta, com Yesterday, dos Beatles. Com exceção de vozes isoladas, feito o implacável crítico Zé Ramos Tinhorão, que abominava a moderna música brasileira, destratando-a como um estrangeirismo, a maioria das pessoas considerava que aquilo era bossa nova, e era muito natural.
A geração que adentrou estúdios e palcos por volta de 1964, foi impactada pelo golpe militar, pelo clima politizado da época, e embutiu na sua música a temática social, e engajada, a canção participação. Com poucas exceções, as composições perderam a leveza e o atrativo pop que as tornavam palatáveis ao público externo. A MPB da era dos festivais foi a mais poderosa do século 20 no Brasil, porém pelas limitações citadas, cada vez menos conhecida no exterior.
Dos novos, apenas Milton Nascimento atraiu as atenções externas já no início da carreira. Foi o mais original daquela geração. Suas músicas não tinham nada, ou quase nada, a ver com a bossa nova. Travessia, por exemplo (com Fernando Brant) é um canção sem fronteiras. Se alguém inventou o som universal, este alguém foi Bituca. Logo depois do Festival Internacional a Canção de ano, de 1967, Travessia seria incorporada ao cancioneiro mundial, com várias gravações no Japão, Europa e nos EUA, onde duas das maiores vozes do país a incluíram em seus discos, Tony Bennett e Sarah Vaughan.
Alguns dos principais talentos da MPB dos anos 60 atravessaram décadas, continuam na ativa, e endeusados por admiradores. Estão chegando à simbólica idade de 80 anos. No entanto, o reconhecimento lá fora dos baianos Gil, Caetano, Gal ou Bethânia, Tom Zé só aconteceu nos anos 90, quando os mercados das nações do primeiro mundo se abriram para a música periférica, a tal da world music. A Tropicália só teve sua importância reconhecida no final da década de 90, e graças a David Byrne, que lançou discos dos tropicalistas, incluindo os Mutantes, pela sua gravadora, a Luaka Bop.
A música de massa que passou a predominar na indústria fonográfica brasileira desde os anos 80 não interessa as gravadoras nem às grandes produtoras internacionais. Único nome badalado, e só recentemente, Anitta forçou sua entrada numa seara dominada por astros de língua inglesa e hispânica. Cantando em inglês ou espanhol, fez furor para a imprensa brasileira, nos EUA só arranhou as paradas, ao contrário dos que acreditam no que a assessoria da cantora divulga.
Este prolegômenos todo para comentar a inclusão de Caetano Veloso, João Gilberto e Gal Costa no listão de 200 melhores vozes da história da música popular, publicada no revistão americano Rolling Stone. Jornais, revistas, sites brasileiros inflamam-se de ufanismo pelos três compatriotas.
Se listas são questionáveis, esta da RS é ainda mais. Claro, Caetano, Gal e João são geniais, obrigatórios em qualquer relação de mais e melhores. Como são Milton, Chico, Betânia ou Elis, para citar medalhões. A quase totalidade dos nomes no listão é de americanos ou ingleses, pelo menos a metade desconhecida por aqui, mais uma considerável parcela de hispânicos, um ou outro africano e oriental. Dos três brasileiros, apenas João Gilberto chegou a fazer sucesso nos EUA, lá nos anos 60, em parceria com o saxofonista Stan Getz. Caetano é sucesso de crítica, Gal uma ilustre desconhecida. A única cantora brasileira que realmente estourou nos Estados Unidos, desde Carmem Miranda, foi a baiana Astrud Gilberto, por acaso, como coadjuvante do disco Getz/Gilberto – featuring Antonio Carlos Jobim. Nesse álbum Astrud participa da faixa The Girl From Ipanema. Entrou por acaso, sem a menor pretensão, mais por insistência do marido João Gilberto. Seu nome nem figura na capa do disco. Mas Garota de Ipanema foi a faixa pinçada para single do LP. Estourou costa à costa, dos EUA para o planeta. Desconhecida dos compatriotas, Astrud tornou-se cult nos EUA, há anos vive longe dos palcos e quer distância da mídia.
É provinciano, para dizer o mínimo, o ufanismo pela inclusão de brasileiros numa lista irrelevante, que carimba como das melhores vozes da história uma moça chamada Solána Rowe, ou SZA, cuja carreira começou em 2017, ou Billie Eilish, que estreou em disco em 2016, ainda adolescente. Boas cantoras mas prematuramente carimbadas como melhores da história. Embora não se dê pra comparar maçãs com mangas, João, Caetano e Gal são artistas de vozes e talentos superiores a dezenas de seus companheiros de listão, e nada devem aos que realmente são donos de vozes superlativas, como Otis Redding ou Ray Charles. Este ufanismo descabido aponta que, na música popular, parece que voltamos a sofrer de complexo de cachorro, ou pegamos a síndrome Conde Affonso Celso (autor do célebre Porque me Ufano do Meu País, de1900).
“Gal, uma ilustre desconhecida”?. Ela é a única cantora brasileira no Hall of Fame do Carnegie Hall por ter se apresentado lá em várias oportunidades
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mas continua pouquissimo conhecida pelos americanos. Até mesmo Caetano Veloso é respeitadíssimo pela crítica, mas nunca teve um hit americano. A única cantora brasileira que realmente bombou nos Estados Unidos, além de Carmem Miranda, porém mais como atriz, foi Astrud Gilberto, que é uma ilustre desconhecida hoje no Brasil. Mais conhecida do que Gal, são Eliane Elias e Flora Purim, porém no restrito circuito jazzistico. Flora até fez sucesso com
o Return to Forever, ao lado de Chick Corea, Stanely Clarke, alias Flora está indicada ao Grammy de 2023.
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