O compositor caruaruense Carlos Fernando (1938/2013) é sempre muito citado quando o assunto é frevo, mas o inovador projeto que pilotou com Geraldo Azevedo, o Asas da América, na época tocou pouco, ou quase nada nas emissoras do Recife, como ainda hoje pouco toca. O primeiro foi inovador não apenas nos frevos de melodias e letras modernas, como na deliciosa promiscuidade de artistas de estilos e gêneros diferentes num só disco, todos em torno do frevo.
Se o primeiro é muito bom, mas ainda experimentando o formato tanto da música, quanto do conceito, o segundo é redondo. Asas da América – Frevo, o disco deste domingo, completa 40 anos em 2023. Assim como o primeiro, foi ignorado nas rádios recifenses. Talvez pelo mesmo motivo com que foi visto com estranheza na imprensa carioca. Frevo continuava sendo um gênero exótico fora de Pernambuco, e alguns estados nordestinos, incluindo a Bahia, onde era tocado pelos trios elétricos, que seriam desbancados do Carnaval de Salvador com o sucesso da axé music.
“O título Asas da América é por causa do frevo do mesmo nome, que fiz de parceria com Geraldo Azevedo, e também porque não quis dar ao meu disco uma característica de folclore, e sim chamar atenção para o frevo, uma das mais ricas manifestações culturais da música popular brasileira”, de Carlos Fernando a Maria Eduarda Alves de Souza, no Jornal do Brasil, numa entrevista sobre o primeiro LP da série. Em Asas da América, Carlos Fernando se antecipa a J.Michiles colocando letra em frevos rasgados, o frevo de rua, até então sem letras. O Homem da Meia-Noite (parceria com Alceu Valença) é um desses.
O segundo Asas da América, com exceção de As Frenéticas, é de nordestinos, que sabiam mais de frevo do que parte dos medalhões do disco anterior. E o próprio compositor aponta isso, quando explica porque escolheu Chico Buarque para cantar, no primeiro LP, Toda Torcida, um frevo canção em molde mais tradicional: “Não que ele não pudesse cantar um frevo rasgado. Mas em termos de vivência é mais fácil dar este gênero de frevo a Elba Ramalho, ou a Alceu Valença. Daí fiz para Chico um frevo que fala de futebol, torcida, enfim, tem uma linguagem urbana, bem de acordo com as características dele” (na mesma entrevista).
Ele volta a falar de futebol no disco quarentão, em O Grande Fla-Flu, interpretado por Lenine e Lula Queiroga, que entram no clima do bom humor da letra, que cita a hilária escalação de um time de Caruaru dos anos 50. Neste álbum, é resgatado o frevo Voltei Recife, de Luiz Bandeira, então meio esquecido. A música foi lançada pelo próprio compositor em 1958, e regravada por Claudionor Germano no LP Baile da Saudade (1974), e em um O Bom do Carnaval (1978). Mas pegou pra valer a partir dessa gravação do Asas da América de 1983, por Alceu Valença, tornando-se obrigatória no repertório do carnaval da cidade.
Assim como Lenine e Lula Queiroga, outros cantores emergentes cantam no disco, Tadeu Mathias (Constelações), e João Fernando (Chego Já, de Alceu Valença). João Fernando foi nome usado algum tempo por Don Tronxo. Teca Calazans (Meu Rebento e Bloco dos Bichos, esta segunda de Alceu e Zé da Flauta), Geraldo Azevedo (Além Carnaval), Alceu Valença (além de Voltei Recife, canta Lenha no Fogo), Elba Ramalho (com o arrasa quarteirão Banho de Cheiro). O sanfoneiro Severo compôs e tocou o único frevo de rua do disco, o primoroso Alvoroço. Um discaço. Olhaí, pessoal, ainda dá tempo de tocar o repertório deste álbum no rádio, nos alto-falantes, e regravá-lo e reinterpretá-lo nos shows.
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