George Harrison, o caçula dos Beatles, que completaria 80 anos nesse sábado, 25 de fevereiro, foi mais importante e influente no grupo, e portanto na música popular do século 20, do que se imagina. O primeiro dos quatro a anunciar que saíria da banda. E o episódio não aconteceu no final, mas no auge da beatlemania. Em 29 de agosto de 1966, depois da derradeira apresentação da última turnê dos Beatles, no Candlestick Park, em San Francisco, George comentou no avião, que ia para Los Angeles: “Muito bem, é isso aí, não sou mais um beatle”.
Naquela mesma noite, ele anunciou ao empresário Brian Epstein que estava saindo do grupo. Brian garantiu que não haveria mais turnês, que todos teriam direito a um período sabático, durante o qual ele repensaria sua decisão. Repensou, e continuou um beatle. Aos 23 anos, George Harrison já se tornara rico, famoso, mas descobria que não era aquela a vida que queria para si. Procurava um rumo que começou a se descortinar depois de conhecer nas Bahamas, onde foi filmada parte do filme Help, o guru indiano Swami Vishnu Devananda, que abrira um ashram, grosso modo, um retiro para meditação e instrução espiritual na ilha. Recebeu uma breve introdução ao ensinamentos de Swami, que prsenteou cada um dos Beatles com um exemplar de um livro seu, O Guia Completo ilustrado da Yoga.
Coincidiu na mesma época, em Londres, de George conhecer uma cítara, e outros instrumentos indianos, tocados numa das cenas de Help. Ele conversou com os músicos, e dedilhou a cítara casualmente. Eis que as portas da percepção foram-lhe abertas pelo dentista do grupo, John Riley (imortalizado na canção Dr.Roberts, de John Lennon). Ele e Patty, John e Cynthia foram visitar o dentista, que ministrou LSD aos quatro, colocando-o no café, sem avisá-los. “Foi uma versão concentrada do melhor bem estar que já senti na vida. Foi fantástico, eu me apaixonei, não por alguma coisa, nem por alguém em particular, mas por tudo”.
Um pouco antes, George Harrison e Patty Boyd foram à Índia. Com os cabelos cortados curtos, o beatle passou despercebido quase todo período em que esteve no país. Chegou a visitar um dos pontos turísticos mais badalados do planeta, o Taj Mahal. A viagem contribuiria para o interesse pela filosofia, religião e música indianas, mas foi na California, pouco antes do concerto final dos Beatles, que ele conheceria a música com que influenciaria o rock dos anos 60 em diante. A entourage da turnê hospedou-se numa mansão alugada a atriz Zsa Zsa Gabor. Durante uma viagem de LSD com Roger McGuinn e David Crosby, dos Byrds (depois chegaria Peter Fonda), o papo foi música. Crosby colocou no passa-disco um álbum de Ravi Shankar. George Harrison ficou tão impressionado que, em pouco tempo, seria aluno, mais tarde grande amigo, do mestre indiano, que não o bajulou por ser ele um superstar, um beatle. Ravi Shankar conhecera o estrelato antes de Harrison, e vinha de uma família muito rica. Pelo contrário, foi franco. Disse a George que o solo de cítara que ele fez em Norwegian Wood era tão ruim quanto os solos horrorosos que se escutavam nas rádios de Bombaim em comerciais de sabão em pó.

Ruins para os padrões de Ravi Shankar, um músico erudito, mas a partir de Norwegian Wood (do álbum Rubber Soul, 1965), dos Kinks, Byrd aos Rolling Stones, todo mundo comprou uma citada, que foi agregada ao rock dos anos 60 em diante. Por sua vez, Ravi Shankar saiu das salas de concertos para os palcos de grandes festivais (esteve no Monterey Pop, e em Woodstock, entre dezenas de outros).
Harrison dedicou-se em tempo integral à cítara, às aulas e aos exercícios. Passa despercebido, mas tanto em Revolver (1966) quanto em Sgt Pepper’s Lonely Heart Club Band (1967), George Harrison torna-se um núcleo oriental independente na música dos Beatles. Em Love You Too, inspirada em viagens de LSD, e com lastro no estudo de música clássica indiana, aproxima o Oriente do Ocidente, com músicos indianos, do Asian Music Circle, de Londres (fundado em 1946), quase sem os Beatles. Só Paul e Ringo participam discretamente. Tomorrows Never Knows, uma das mais elogiadas faixas, de John Lennon, tem forte influência indiana, com George Harrison criando o drone rock, tocando uma tambura.
Within Without You, do Sgt Pepper’s é o primeiro trabalho solo de George Harrison. A raga, elogiada por Ravi Shankar (usou como base um exercício que lhe foi enviado por cassete pelo indiano), Dos Beatles, só ele com músicos indianos, mais cellos, e violinos arranjados por George Martin. Algo pouco lembrado: a guitarra de Harrison é muito pouco ouvida no Sgt Peppers. Em A Day in the Life, ele toca congas, gaita em Being for the Benefit of Mr.Kite, papel e pente em Lovely Rita, e backing vocal nas demais, inclusive em Penny Lane e Strawberry Fields. A maioria das guitarras do Sgt Pepper’s é de Paul McCartney. Estava obcecado em dominar os dificeis meandros da cítara.
Porém, mais do que a música, a filosofia e religião indianas continuaram com George Harrison até o final da vida. Quando sua morte, em 19 de novembro de 2001, foi anunciada, Sua mulher, Olivia e o filho, Dhani viajavam para a índia com as suas cinzas que foram espargidas nos rios sagrados indianos em Benares.
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