Gilú Amaral usa influências musicais mouriscas como base do disco O Sopro e a Percussão

Veterano da cena olindense, conhecido por suas participações na Orquestra Contemporânea de Olinda, Academia da Berlinda (mais recentemente com o Ave Sangria), grupos de música elaborada, mas digamos, festeira, o percussionista Gilú Amaral lançou nessa quarta-feira, 15 de março, o álbum O Sopro e a Percussão, um trabalho que surpreende, não pela qualidade da música, o que já era esperado, mas porque nele Gilú Amaral mostra seu lado de maestro, reprocessando a cultura mourisca nordestina, com ritmos pernambucanos, passando por Nova Orleans e Cuba.

Esta faceta revela-se na faixa de abertura, Aqualunte, princesa congolesa que veio para o Brasil como escrava, e viveu no Quilombo dos Palmares.  Um tema orquestral, com diálogo de metais, e um eloquente aparato percussivo que compreende tambores ilú, conga, ngoma e a mbira ou kalimba, do Zimbábue, além de caxixis, maracas, talking drum, djembe, dununba, sangban, kensedeni, sementes e darbuka.

Ao longo de sete faixas, o disco nunca cai no óbvio. A faixa Encontro de Culturas, é um caboclinho, mas diferente, em que pífano e clarinete se enfrentam num duelo de solos. Entre os músicos que arregimentou para este projeto, gravado entre 2017 e 2021, no estúdio Carranca, estão, entre outros, o onipresente Henrique Albino, Parrô Melo, Ivan do Espírito Santo, Nilsinho Amarante, Alexandre “Copinha” Rodrigues, Alex Santana e Jonatas Gomes, entre outros.

A influência do mais influente maestro brasileiro, Moacir Santos, é palpável, como vem acontecendo desde os anos 60 na música orquestral brasileira, mas a concepção dos temas prima pela originalidade. Gilú concebeu um protagonismo original à percussão, como ele próprio explica: “Me sinto muito experiente, à vontade em ter feito esta provocação de as composições começarem a partir da percussão, para só depois convidar os arranjadores para colocar em cima da peça percussiva os seus arranjos de metais”

Esta inversão de uma convenção funcionou muito bem, certamente pela experiência de Gilú, que tem 38 anos de idade, e 26 de música. Além dos grupos citados, e discos solos, participou de uma infinidades de discos e shows. Ele próprio reconhece este detalhe; “Crio peças percussivas explorando ritmos originários e fazendo releituras de ritmos do mundo afora, mesclando, trazendo minha bagagem como músico profissional, tendo passado por tantas bandas”

Esta experiência mesclada ao talento é bem ressaltada em Mourisca, uma suíte, com variações de andamentos, melodias, timbres, na percussão emprega-se instrumentos variados, como o daburka, muito comum nos grupos árabes. Gilú é um explorar de sonoridades, que se renovam a cada faixa. Saudação Às Deusas, tem um toque feminino, encorpado por berimbau, mbira (espécie de kalimba), mais um trio de tambores graves, e no meio disto um solo de Henrique Albino (que arranjou esta faixa).

Claro, num disco de Gilú o carnaval olindense não poderia ficar de fora, e aqui ele entra em Passeio por Olinda (com arranjo de Ivan do Espirito Santo), é frevo e maracatu, juntos e misturados, como é a folia na Marim dos Caetés. É como se Ornette Coleman fosse um mestre de banda itinerante.  Do Carnaval de Olinda para o de New Orleans, em Mardi Gras, no arranjo se enfatizam o sax de Parrô Melo, o trombone de Deco e o trompete de Marcos Oliveira. E no final, em Pernamcubanos, é um mélange da rítmica cubana e pernambucana. O título da faixa vem do doc homônimo de Niltinho Pereira (parceiro de Roger de Renor no Som da Rural), é a mais curta do disco, com pouco mais de um minuto.

Isto que Gilú Amaral acentua, esta cubanidade em Pernambuco, sobretudo no Recife, é algo que passa despercebido para quase todo mundo. Mas a já lendária Cubana de Valdir Português é fruto da presença forte da música cubana e caribenha na capital pernambucana desde os anos 50, promovida pela gravadora Rozenblit, que distribuía no Brasil o selo nova-iorquino Seeco, especializado em música latina. Foi assim que rumba, mambo, son, guarachas disseminaram-se pelas gafieiras da periferia recifense, mas aí é outra história. A parada é Gilú Amaral e a música ensolarada, complexa e divertida ao mesmo tempo, de O Sopro e a Percussão,

(foto: Hermes Costa Neto)

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