Frevo, meu bem – um resumo da história do frevo como produto comercial bem sucedido

Quando encarei a empreitada de escrever um livro sobre o frevo gravado não me tinha dado conta das dificuldades que teria que enfrentar. Fui em frente e finalizei o texto aos trancos e barrancos. O Frevo Gravado: de Borboleta Não É Ave A Passo de Anjo (um projeto aprovado em edital do Funcultura pela produtora Roberta Clarissa, e publicado pela Editora Bagaço, em 2015). Pelo tempo exíguo para a entrega do texto, não tive tempo de pesquisar em coleções como a de Hugo Martins, talvez a maior discoteca de frevo particular do Recife. Ainda fui na Fundaj para reproduzir capas de discos, e viajei por hemerotecas digitais.

O problema para se chegar a uma história do frevo gravado é que quase todos os títulos lançados até os anos 80 se encontram fora de catálogo. Paradoxalmente, é mais fácil se escutar os frevos que se gravavam no Rio, dos anos 30 aos 50, em edições dirigidas ao carnaval pernambucano. Boa parte se encontra no Youtube, ou em sites como o do Instituto Moreira Salles. Outra parte foi relançada pelo selo Revivendo, do recifense Leon Barg, que vivia no Paraná (falecido em 2010), e cuja coleção chegava a 150 mil discos.

Como já frisei neste blog, o quebra-cabeças de peças mais difíceis é o dos compactos. Como o frevo nunca alcançou plenamente o status de música para tocar o ano inteiro, os discos do gênero eram lançados para o carnaval. A grande maioria em tiragens pequenas. Até os anos 60, com o poder de fogo da gravadora Rozenblit, as emissoras de rádio pernambucanas, e de estados nordestinos privilegiavam o frevo na programação carnavalesca. E não apenas os discos produzidos no Recife. As empresas fonográficas cariocas, sobretudo a RCA e a Odeon lançavam LPs de bons autores pernambucanos, concorrendo com a Rozenblit.

Concorrência que levou a Rozenblit, em1966, a estabelecer como norma não gravar composições de quem tivesse músicas em discos das gravadoras do Sudeste. José Rozenblit, presidente da Mocambo (nome do seu primeiro e principal selo) deu outros motivos para a exigência: “Em primeiro lugar dar oportunidade aos compositores. Se nós temos nossos compositores de renome, outras fábricas também desejam outras composições. Se todas as fábricas lançarem LPs tendo como base os mesmos elementos, os novos não terão vez nas gravadoras. Gravadoras sulistas adotam as mesmas providências. Como se sabe uma etiqueta sulista editou no ano passado um LP contendo 12 músicas que apontavam como prováveis vencedoras causando prejuízo às fábricas que gastaram fortunas, nas suas respectivas promoções”.

Sobrou para os compositores veteranos, que continuavam a criar frevos, caso de Levino Ferreira, que não teve nenhuma música gravada naquele ano. Ele foi enquadrado pela Rozenblit por ter mandado um frevo para a RCA, que não o gravou.

Em 1966, o frevo chegava ao auge, como produto comercial, e realmente nesta época acontecia uma renovação na música carnavalesca pernambucana, com muitos novos autores surgidos dois ou três anos antes, a exemplo de Manoel Gilberto, Getúlio Cavalcanti, ou Jocemar Ribeiro. No entanto por volta de 1968, os frevos canção precisavam competir com a marchinha carioca e com grandes sucessos do iê-iê-iê, ou música de meio de ano, feito A Banda, de Chico Buarque, e Máscara Negra, de Zé Kéti, as mais tocadas no carnaval de Pernambuco de 1967 (a de Zé Kéti, lançada pela Rozenblit).

O compacto cuja capa ilustra a postagem traz dois frevos canção dos irmãos Eriberto e Nuca, dos mais inspirados compositores da geração dos anos 70 (o disquinho é de 1974). Teve acompanhamento da Orquestra do maestro Mário Mateus, arranjos do maestro Edson Rodrigues, produção de Hélio Rozenblit, participação especial de Waldir (cavaquinho),Maciel (pandeiro) e Dilson (violão de 7 cordas). A capa é de Lula Côrtes.

O disco não aconteceu, não pela qualidade das composições, mas porque, por esta época, poucos eram os frevos que emplacavam no carnaval do Recife. As rádios não tocavam, e as orquestras davam preferência ao que já era sucesso, mesclando-o com sucessos nacionais de outros gêneros, e aí valia até Severina Xique-Xique, de João Gonçalves, lançado por Genival Lacerda. Eriberto & Nuca poderia ter ido às paradas se o disco tivesse sido lançado dez anos antes.

Pernambucana é um frevo eletrizante, acelerado, de letra e melodia fáceis de se decorar. Mas os tempos eram outros. Este frevo foi gravado por Claudionor Germano, em 1978, no LP O Bom do Frevo, e tampouco aconteceu.    

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