Crônica do domingo: Revisitando a fase braba da pandemia

O americano inventou a happy hour, bebem até o trânsito desengarrafar. No Brasil é diferente, bebe-se até desengarrafar o bar. O que tem lógica, porque aqui o trânsito não desengarrafa mais. Aliás, nem se diz mais engarrafar. Engarrafamento passou a ser chamado de retenção, que pra mim é sinônimo de prisão de ventre. Assim como papagaio há muitos anos que virou pipa, feito galinha de capoeira se tornou caipira.

Cada vez mais no Brasil fala-se a língua da TV. Como os programas de TV são produzidos no Sudeste, o resto dos brasileiros passou a chamar sinal de trânsito de farol, ou semáforo. Como sou meio atrasado, continuo falando português arcaico. Pra mim, continua galinha de capoeira. Galinha caipira, repito-o, é aquela que faz corococórrrr, dobrando os erres, feito cantor sertanejo.

Os bares reabriram  no sistema hora feliz. Eu chamaria de hora do aperitivo. As pessoas tomam uma e vão pra casa jantar. O beba com moderação tá sendo levado a efeito. Como tô trabalhando em escritório caseiro só chego no bar quando os garçons já  se coçam pra largar.  Quando garçom pergunta se a gente vai querer alguma coisa da cozinha, na verdade, ele tá dizendo que  temos direito apenas a uma saideira.

Todo bar tem um garçom agoniado. Tinha um no Pátio de São Pedro que, quando via o pessoal da faculdade chegar, aí pelas nove da noite, fechava a cara. Era no tempo de poucas marcas de cervas. Você pedia uma Antárctica, ele dizia: ” Só tem Brahma, e quente”. Pedia um arrumadinho e ele: ” Meu irmão, arrumadinho uma hora dessas?” Uma noite perto das onze, chega um casal. Senta-se à mesa.  O garçom se aproxima. A moça  pergunta : “Toalete?”  E ele: “Não. Só  galeto, arrumadinho e carne de sol.

Tem uma marca de cerva de que eu gosto; a Itaipava Draft. Num sábado, fim de tarde, tava em casa, e bateu vontade de tomar uma dessas. Faltava uma hora pra fechar. Fui num bar perto de casa. Perguntei se tinha a supracitada cerva. E o garçom fez feito o que relembrei acima; “Tem, mas tá morna”. O bar novo normal parecendo o bar velhíssimo normal.

(esta é de junho de 2020, quando os bares voltaram a abrir, mas funcionando apenas pelo tempo suficiente para o pessoal matar a saudade)

Na foto, eu, não sei em que bar. Não consigo lembrar, deve ser sequela da covid

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