Lakecia Benjamin, da geração de jovens leoas do jazz, reverencia o passado, e aponta caminhos para o futuro em Phoenix, seu quarto álbum

Há três décadas houve uma renovação no jazz por um grupo de instrumentistas chamados “the new young lions” (“os novos jovens leões”, uma alusão a geração que tomou as rédeas do jazz 30 anos antes. O que havia de comum entre essas duas gerações, além da habilidade e o talento musicais, era a quase totalidade dos músicos ser de marmanjos. Nós 60, John Coltrane, Wayne Shorter, dois dos jovens leões de 1960.

Wynton Marsalis, Christian McBride, Cyrus Chestnet, entre outros, os novos jovens leões de 1990, uma geração de virtuosos, quase todos bem comportados. Wynton Marsalis polemizou quando criticou o jazz com elementos de funk e rock do trompetista Miles Davis, assumiu-se musicalmente conservador.
A partir da primeira década do século 21, acontece mais uma renovação, com uma diferença fundamental em relação às duas gerações citadas. Desta vez é formada por jovens leões e leoas. Com pianista Jon Batiste ou o saxofonista Kamasi Washington entraram em cena a baixista e cantora Esperanza Spalding e saxofonista Lakecia Benjamin, pra citar duas das leoas. A primeira é bem conhecida dos brasileiros que curtem jazz. A segunda bem menos.
Lakecia Benjamin deve alcançar mais admiradores com seu novo, e quarto, álbum, Phoenix, que já desperta atenção pela bela foto da capa, que a faz parecer uma Lia de Itamaracá futurista. Influenciada por John Coltrane (o disco tem uma faixa, Trane, dedicada a ele, e já dedicou um álbum ao repertório do saxofonista ), imprime seu toque pessoal, requintado durante os 70 minutos de duração do álbum.
O disco abre com sirenas de viaturas policiais, sons de tiros, e aí irrompe a voz de Angela Davis, ativista política, integrante dos Panteras Negras. Presa em 1970, ganhou canções de John e Yoko (Angela) e dos Rolling Stones (Sweet Black Angel). A faixa em que ela participa intitula-se Amerikkan Skin. Angela Davis teve inserido um trecho de uma palestra proferida em 2017 intitulada Revolution Today. Amerikkan Skin abre e fecha o álbum.
Um disco farto em”feat”, como se diz agora “participações especiais”. Wayne Shorter, Diana Reeves, um poema dede Sonia Sanchez, Peace Is A Haiku Song, e de um tema de Patrice Rushen, Jubilation. Os demais temas são de Lakecia, um deles , Basquiat, homenagem ao artista plástico falecido em 1988. A maioria das participações no disco é de mulheres, sendo um dos destaque Georgia Ann Muldrow, leoa do jazz de Los Angeles, no sintetizador na faixa título, uma das mais originais do álbum, numa ménage a trois de sax alto, synth e o contrabaixo de Ivan Taylor (da banda de Lakecia).
Pensado e criado durante a pandemia, Phoenix é uma reverência a artistas que pavimentaram os caminhos trilhados por Lakecia Benjamin que, ao mesmo tempo, deseja que seu trabalho sirva de exemplo e inspiração para outras mulheres. E pela qualidade deste disco certamente surtirá o efeito desejado pela saxofonista.
Phoenix vem sendo incensado nas resenhas das mais importantes publicações de jazz. Lakecia Benjamin não esconde sua óbvia influência de John Coltrane, mas consegue ser bem mais acessível, sem os temas emanam um leve sabor pop, mas está longe ser jazz digestivo, é inovador sem ser vanguarda, embora se aproxime disto em Basquiat. Phoenix é também um disco feminista sem radicalizar, a banda que a acompanha. Esta ainda jovem leoa do jazz promete fazer história.

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