Há 50 anos, George Lucas estreou seu segundo longa, um filme de baixo orçamento, com um roteiro mais apropriado para o teatro. Toda ação se passa numa noite, entre o baile de formatura do curso médio, e rolês de automóvel pelas ruas de uma cidadezinha da Califórnia. Um rito de passagem. O ano é 1962, no limiar de uma revolução na sociedade, em que a música teria um papel fundamental.
Em 1962 os Beatles gravariam o primeiro compacto, surgiriam os Rolling Stones. E Bob Dylan lançaria o álbum de estreia. A trilha do filme reúne o suprassumo do rock e rhythm and blues que logo seriam substituídos por músicos ingleses e americanos que não apenas acompanhavam as mudanças dos tempos, como foram também agentes dessas mudanças.
Cada personagem de American Grafitti tem seu próprio enredo pessoal. Questionam-se que rumo sua vida irá tomar, agora que estão se tornando adultos. George Lucas selecionou um time de atores muito jovens promissores, futuras estrelas de Hollywood, como Harrison Ford ou Richard Dreyfuss. Mas foi uma atriz de 13 anos, a coadjuvante Mackenzie Phillips que recebeu a maior parte dos holofotes. American Grafitti, que custou apenas 770 mil dólares, foi um dos filmes mais lucrativos da história do cinema, e com ele o diretor viabilizou a produção de Guerra nas Estrelas.
Mackenzie Phillips foi contratada para uma série de TV. Uma pré-adolescente que faturando 50 mil dólares por mês. Mas fama e fortuna eram itens com quem convivia desde que nasceu. Laura Mackenzie-Phillips é um dos personagens mais fascinante e intrigantes da revolução cultural os anos 60. É filha de John Phillips, o poderoso chefão da era hippie, líder da riponga banda californiana The Mamas and The Papas, compositor do hino do “verão do amor” americano de 1967, San Francisco (be sure to wear some flowers in your hair), lançada por Scott Mackenzie.
A banda obteve um estrondoso sucesso com clássicos como California Dreaming, Monday Monday, Straight Shooter, I Saw Her Again Las Night, Go Where You Wanna Go, entre outros hits. Ainda em 1967, John Phillips organizou o primeiro festival importante de rock dos anos 60, o Monterrey Pop, que revelaria Janis Joplin, Jimi Hendrix e The Who.
No auge do sucesso, Phillips, possuía mansões, oito Rolls-Royce, e duas Ferrari. Gastava mais do que ganhava, oferecia festas homéricas, com farta distribuição de drogas. Mackenzie-Philips viveu os lados ensolarado e nublado dos sixties. O primeiro na casa da mãe careta, e obediente ao american way of life, o segundo convivendo com o pai. Jane Fonda, Jack Nicholson, Mick jagger, Keith Richards, George Harrison, Paul McCartney, Donovan, Jimi Hedrix e uma infinidade de estrelas da música e do cinema frequentavam a casa de Papa John.
Aos sete anos foi ninada por Paul McCartney, de quem era fã. Acontecia uma festa em sua casa, e ela se atreveu a convidar o beatle pra dançar numa festa. Ele aceitou, mas ela encabulou quando notou que se tornou o centro das atenções, e caiu no pranto. McCartney a levou para outro pavimento, a colocou numa rede, e cantou para Mackenzie dormir. Um episódio dos anos 60 que reforça a imagem de como a década está nos livros ou nos filmes, mas que foi muito mais exceção do que a regra.
Aos onze anos, Mackenzie-Phillips já cheirava cocaína, que havia em profusão na casa de Papa John, como o pai era conhecido. Perdeu a virgindade antes dos 15. Aos 18 foi pra cama com Mick Jagger. Numa festinha, em Nova Iorque, os dois ficaram a sós. Jagger a agarrou pela cintura e disse que esperou por aquele momento desde que Mackenzie estava com dez anos. Dormiram juntos. Cedinho, John Phillips ligou e perguntou à filha se Mick tinha sido gentil com ela. “Foi. Está tudo bem”, a resposta.

PAI & FILHA
Mais do que a maioria dos seus contemporâneos no rock dos anos 60, incluindo Keith Richards ou David Crosby, John Phillips personificou como poucos a face oculta da sua era. Os excessos de drogas e álcool levaram pelo ralo os milhões que faturou com a música, e shows, a ponto dele ser preso no início dos anos 80, como traficante de drogas e remédios controlados, e perder boa parte dos direitos de suas composições. Amoral, para Papa John tudo era permitido, incluindo fazer sexo com a filha.
Em 2009, Mackenzie Phillips lançou, pela Simon & Schustrer, uma das mais corajosas autobiografias que uma personalidade do showbizz teve a coragem de publicar, High on Arrival (grosso modo, Doidona na Chegada). Chocante para quem idealiza os tais anos dourados, como costumam adjetivar a década de 60 e 70.
Depois de ser vítima de sequestro e estupro, ela procurou em vão pelo pai, que costumava sumir durante longos períodos, em sua fase mais barra pesada. Desesperada, ligou pra Mick Jagger, que conhecia todo mundo, sabia do paradeiro de todo mundo. Ele foi curto e grosso. Não adiantava procurar ou ajudar Papa John. Se ele queria morrer, deixasse que morresse. Que ela fosse cuidar de sua vida. O pai soube do ocorrido e veio à Florida, onde Mackenzie onde estava morando. Ela foi encontrar John Phillips, na casa em que ele estava hospedado. Drogaram-se até que Mackenzie desabou numa cama.
“Acordei do apagão daquela noite descobrindo que fazia sexo com meu próprio pai. Não me lembro como começou ou, ainda bem, como terminou. Há uma vaga lembrança neste intervalo, despertando em meio a uma confusão e um horror de que fui incapaz de interromper, mudar, ou entender (…) Por um momento eu sentia meu corpo, e a terrível verdade, veio outro apagão. Supostamente, seu pai deve lhe proteger, não trepar com você”, trecho pinçado do livro. Mackenzie Fillips estava com 19 anos.
Alguns meses mais tarde reencontrou o pai, e foi direto ao assunto
“- Papai, a gente tem que conversar sobre estupro o que você cometeu comigo.
– Estuprei você? Quer dizer quando fizemos amor?
Esta reação, mais do quer qualquer coisa, explica o meu pai. Não era um mentiroso. Não negou. Não tentou por a culpa em mim. Nada dos artifícios que se espera de um abusador. Ele simplesmente não seguia regras”. Pai e filha continuaram algum tempo depois, a fazer sexo, e afundarem mutuamente nas drogas. O relacionamento foi interrompido, quando ela engravidou e fez um aborto.
Em 1980, Mackenzie Phillips, que arruinou a carreira no cinema por causa das drogas, entrou numa clinica de reabilitação. John Phillips esteve ameaçado de pegar 45 anos de cadeia, mas também aceitou se internar numa clinica, para se livrar da cadeia e da heroína. Os dois no entanto não se reabilitaram. Logo voltariam ao álcool e à cocaína. “Eu estava no camarim, Keith Richards entrou com um monte de pó, e perguntou se eu ia recusar aquilo”. Mackenzie, que estava apenas no álcool, não recusou. Livre, John Phillips reformou o The Mama and the Papas, com Mackenzie Phillips, no lugar da madrasta Michelle Phillips, e Spanky McFarlane, substituindo Mama Cass, mais Denis Doherty (da formação original do grupo).
Aos trancos e barrancos o New Mamas and the Papas existiu até os anos 90. John Phillips não conseguiu parar com as drogas. Submeteu-se a um transplante de fígado, em 1992, e faleceu em 1994 de uma parada cardíaca. Mackenzie Phillips retomou a carreira, relativamente bem sucedida, de atriz, mas só se livrou das drogas em 2008, quando foi presa num aeroporto, com uma bolsa recheada de heroína e cocaína. Voltou a um centro de reabilitação. “Finalmente desfruto de saúde e de uma felicidade que sempre descrevi, mas nunca experimentei. Vivendo minha vida, em vez de observar enquanto ela acontecia. Estou livre”, o desabafo com que fecha a autobiografia. Mackenzie Phillips completa 64 anos em 2023.
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