Fim de Feira lança primeiro disco depois de onze anos, e volta virada num mói de coentro, indo do baião ao frevo

A banda Fim de Feira (em foto de Zé de Holanda), formada em 2004, foi vista como a renovação do forró, que dialogava com todas as tribos, e vinha se juntar à geração do forró dos anos 90, quando nomes como Petrúcio Amorim, Santanna O Cantador, ou Maciel Melo, Beto Hortiz Cezzinha, Irah Caldera, Nadia Maia, que conseguiram tirar o gênero da sazonalidade, do rótulo de música junina. Ainda com pouca experiência, lançou o primeiro disco em 2006, com uma maioria de regravações. Em 2008, chegou, como diria Luiz Gonzaga, tinindo no segundo disco, A Revolução dos Pebas, da embalagem ao repertório, um disco marcante, assim como o terceiro álbum, de 2012, De Todo Jeito Agente Apanha.

Só nessa sexta-feira, 19 de maio, o Fim de Feira volta a lançar disco (lançou um DVD em 2016), saindo de uma hibernação de onze anos. Bruno Lins, um dos fundadores da Fim de Feira, que lançou dois discos solo nesse período, conversou com o telestoques.com sobre Forró da Liberdade, o novo álbum, o motivo da longa parada da banda, e sobre o forró, o gênero, cada vez menos prestigiado em sua própria região.   

Telestoques – O Fim de Feira surgiu como grande novidade da música pernambucana, depois do segundo disco, A revolução dos pebas, de 2008. Voltou a gravar em 2012, De todo jeito a gente apanha e, de repente parou. Por que essa parada tão longa. Ao longo desses 11 anos, o que os integrantes fizeram?

Bruno Lins – Depois do segundo disco a gente teve algumas mudanças na banda que nos obrigaram a dar uma pausa na produção. A banda não parou de fazer show ou de viajar, mas acho que rolou aí um lapso criativo, fruto de uma inversão de prioridades. Isso sempre foi muito cobrado, principalmente por quem gostava do nosso som. Nesse período a gente acabou tocando nossas carreiras de forma paralela, seja compondo, produzindo discos, tocando com outros artistas. A banda podia ter sumido aí, mas a gente se gosta muito, tem uma irmandade envolvida nesse projeto, e a vontade de voltar pro estúdio, com essa formação atual, era muito grande. Foi o que aconteceu e o que deu origem a esse novo trabalho.

Telestoques – A banda volta com a mesma formação do disco de 2012, ou reformulada?

Bruno Lins – A banda começou em 2004, ano que vem são 20 anos de estrada. No início era uma brincadeira de amigos e quando o profissionalismo começou a bater na porta – viver de música é difícil – alguns integrantes foram tomando outros caminhos. Do último disco pra cá surgiu essa formação que já tá junta há muito tempo, com Márcio Silva na bateria, Luccas Maia no baixo, Antônio Muniz na sanfona, Thiago Rad nas guitarras, Lucivan Max nas percussões e comigo nos vocais. É exatamente esse time que gravou o novo disco.

Telestoques – O disco foi gravado no Recife, em Caruaru e em Serra Talhada, esclarece esta circulada, porque deve ter sido a primeira vez que um grupo do Recife grava em Serra Talhada

Bruno Lins – A ideia era que pudesse ser um trabalho orgânico porque a gente sentia falta dessa coisa de personalidade das bandas, sobretudo no campo do forró. De uns tempos pra cá as gravações ficaram muito parecidas umas com as outras, sem muita diversidade ou identidade, e a gente queria fugir desse lugar comum. Aqui em Recife a banda gravou no Estúdio Carranca, porém, tinham muitas participações que vinham de Caruaru, porque de lá havia muita gente participando do disco, e pela relação afetiva e sonora que temos com a cidade, achávamos que era uma atmosfera bem- vinda pro disco. E foi um grande acerto.

Lá em Caruaru gravamos com Walmir Silva, Zé do Estado, Isabela Moraes, Riáh e com Biliu de Campina, no Estúdio Di Fagner. Sobre gravar em Serra Talhada foi um jeito de visitar Assisão e agradecer a honra de tê-lo participando do disco, levamos as bases e gravamos as vozes dele, depois trouxemos pra Recife e finalizamos tudo.

Telestoques – o disco começou a ser feito antes e durante a pandemia, como foi gravar em situações tão diferentes, e que influência há do período de isolamento social na música do álbum? O título com certeza tem a ver com o fim da crise sanitária.

Bruno Lins – Esse disco foi aprovado no Edital Funcultura da Música, em 2019, mas quando a gente pensou em começar o trabalho, veio a pandemia. Depois do susto vimos que era possível, sim, fazer um disco com todo mundo isolado, mas não era isso que a gente queria. Também tinham muitas participações de artistas com mais idade, todos no grupo de risco. Então foi preciso esperar a poeira baixar pra começar a produção. Em 2022 começamos as prés na casa de Thiago Rad, que divide a produção musical do projeto comigo, e a partir daí as coisas aconteceram. Engraçado que esse título Forró da Liberdade é de antes da pandemia, quando a gente nunca ia imaginar que aquilo tudo iria acontecer, o que deu a esse trabalho um caráter muito sincero sobre o momento atual. Particularmente eu enxergo essas músicas como um canto de liberdade.

Telestoques – O disco tem uma variedade dos ritmos que formam o coletivo forró, abre com um baião. O que você achou do disco, depois de escutá-lo, terminado e pronto para ser levado ao público?

Bruno Lins – Eu acho que esse é o nosso trabalho mais maduro, sobretudo no que se refere à identidade da banda forjada nessas quase duas décadas de estrada. O disco é pop sem perder as referências, uma mistura de tudo que a gente ouviu no universo das canções de Dominguinhos, Jackson do Pandeiro, Trio Nordestino e Luiz Gonzaga. Também tivemos muita sorte de poder gravar com nomes gigantes como Bule-Bule, Assisão, Biliu de Campina, Walmir Silva, Zé do Estado, Riáh e Isabela Moraes. É como se o disco fosse um grande tributo aos nossos mestres e, por consequência, uma celebração à tudo o que o forró nos deu de presente.

Telestoques – O Fim de Feira é uma banda de forró. E vocês gravam um álbum quando o forró está em crise. Nas principais festas juninas, a predominância é quase total do brega pop sertanejo, piseiro e afins, com o forró autêntico escalado para palcos secundários. Como a Fim de Feira pensa em enfrentar o rolo compressor sertanejo, ou da musica que se assumiu como forró, bandas no modelo cearense, cantores saídos delas, como Xand Avião ou Wesley Safadão?

Bruno Lins – Se você for pensar racionalmente não faz mais sentido gravar um disco de forró com 12 faixas e lançar nos tempos atuais, onde turma já tem preguiça de ouvir apenas uma música inteira, e com o gênero tão em baixa. Mas acontece que a minha geração cresceu ouvindo discos, fitas e CDs que o artistas lançavam todo ano quando era época de São João, e quando ainda era o forró que embalava e ocupava os espaços mais prestigiados da festa junina. Então é algo muito mais irracional e não deixa de ser uma utopia. Eu fico pensando num artista como Assisão, que tem 60 anos de carreira e passou por quase todas as transformações da indústria fonográfica, compôs mais de 800 canções, e que, até hoje, do alto dos seus oitenta e poucos anos continua compondo, cantando e fazendo show, o que move algo assim que não seja o sonho e a utopia?

Telestoques – Quais os planos da banda nesta volta? O mercado nesses 11 anos mudou muito, como a Fim de Feira pretende se reencaixar nesse mercado?

Bruno Lins – Nesse período algumas coisas mantiveram a gente de pé, principalmente a capacidade de continuar fazendo músicas, amizades e projetos. Depois desse tempo de um Brasil tão obscuro não dá pra não carregar um pouco de fé na retomada de uma cultura nacional que sempre foi brilhante, mas que tem sido tão maltratada. Esse disco também vai ensejar a gravação de um show ao vivo no segundo semestre desse ano, e o que a gente espera é pegar carona nesse recomeço e fazer nosso forró voltar a circular pelo Brasil e por outros países, voltando a celebrar a música e a profissão que a gente escolheu pra ser feliz.

DISCO

Não fosse a pandemia, a Fim de Feira teria voltado ao disco em 2020, ao mesmo tempo a parada forçada serviu para que se burilasse as 12 faixas de Forró da Liberdade, título que tem a ver com a conjuntura política pela qual o país passou a partir de 2019. Nesse quarto trabalho, o quinteto aproxima-se ainda mais do forró gonzagueano, abrindo um disco com Eu Sou da Banda, um baião, o ritmo seminal que, em 1946, deu início a revolução deflagrada por Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira.

A Fim de Feira sai do lugar comum do “tome xote” que está disseminado pelo pé de serra, com a grande maioria dos forrozeiros ignorando a riqueza do matulão de ritmos estilizados por Gonzagão e parceiros e abrigado no coletivo forró (Dominguinhos preferia chamar de “Baião”). Mesmo quando vai de xote, capricha no arranjo, é o caso de Carrapicho, com a sanfona solando uma bela melodia na introdução. A ida a Caruaru deu oportunidade à banda de agregar Isabela Moraes e Riáh, duas grandes vozes femininas, à faixa Formigueiro. As duas acrescentam um afinado corinho feminino, quase obrigatório no forró dos anos 60.

Ainda em Caruaru, trouxeram de Campina Grande, na Paraíba, um discípulo de Jackson do Pandeiro para cantar um rojão intitulado Manda Buscar Biliu, e Biliu de Campina veio e colocou voz, com as divisões aprendidas com Jackson. No Studio Di Fagner, na Capital do Forró a banda de pífano Zé do Estado e Walmir Silva juntaram-se ao Fim de Feira

Mais um pouco adiante, já no sertão, um xaxado na terra onde o ritmo nasceu, Namorando de Novo, com o ídolo dos integrantes do Fim de Feira, Assisão, do alto dos seus 82 anos. Do Sertão do Pajeú para Camaçari, na Bahia, onde mora o cantor, compositor, poeta Bule-Bule, uma lenda baiana que trafega por searas alheia a tendências e modismos. Bule-Bule foi o único que gravou à distância neste disco. Botou voz no coco amaxixado Monomotor. E tão bem, que a turma do Fim de Feira optou por não acrescentar mais vozes à faixa.

 Forró da Liberdade é impulsionado por esta dinâmica da variedade. Há de um tudo neste disco, menos monotonia. Uma ótima sacada fechar o repertório com Tiro Fatal, um frevo agalopado. Até porque até inicio dos anos 70, o frevo era um dos ritmos do forró (não por acaso Sivuca fez a série de LPs Forró & Frevo), quase todo tocador de oito baixos gravou frevos.

Um comentário em “Fim de Feira lança primeiro disco depois de onze anos, e volta virada num mói de coentro, indo do baião ao frevo

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  1. Contente com e renascimento desses meninos. Fui um dos que acreditei gostei e divulguei por onde passei por esse nordeste a banda Fim de feira. Tomara que venha o físico também pois ainda estou analógico, como muitos amigos amantes da bia música em redondo

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