Chico Buarque lançava há 50 anos o álbum com o título mais redundante de sua discografia: Chico Canta

Em 1973, ano mais barra pesada da ditadura militar, com a censura recrudescendo, sem dó nem piedade, Chico Buarque lançou O LP Calabar (Phonogram) com composições dele e Ruy Guerra criadas para o musical homônimo.  Calabar estava previsto para chegar aos palcos em novembro de 1973, seria dirigido por Fernando Peixoto, com direção musical de Dori Caymmi.

O disco chegaria às lojas um mês depois da estreia da peça, em dezembro. Porém em outubro, no Jornal do Brasil, uma notinha revelava que uma das canções do álbum não teria letra. Claro, fora censurada. Pediram que Chico substituísse a música, ele preferiu incluí-la como um instrumental. Com arranjo de Edu Lobo, que fez a direção musical do disco. A estreia do musical seria no 8 de novembro. Mas no dia 1º, a censura vetou os ensaios, que só poderiam acontecer com a autorização do general Antonio Bandeira, diretor geral do Departamento de Censura Federal. Ele estava viajando. Teriam que esperar a volta do militar.

Até o dia 6, aguardava-se a liberação da peça. A produção já quase desistindo combinou que caso fosse definitivamente vetada, fariam uma única apresentação privê para filmá-la. Obviamente, o filme também seria censurado. O objetivo era registrar a peça para a posteridade. Calabar – O Elogio à Traição foi oficialmente proibida, “em todo o território nacional”, sob o argumento de que feria a dignidade ou o interesse nacional, em 24 de janeiro de 1974. A portaria foi assinada pelo general Antonio Bandeira. Mas o disco já estava nas lojas, com muitos cortes nas letras.

Ficou pouco tempo à venda. A gravadora recolheu as cópias, e o relançou apenas com o nome do cantor numa capa branca.  Não funcionou comercialmente.  Foi retirado de catálogo, e relançado com o título Chico Canta. Ora, Chico era cantor. Como era um disco dele, ele cantava. Mais pleonástico, impossível. Um trabalho quase que totalmente estropiado. Duas canções sem letras, outras com versos reescritos, ou vandalizados. Fado Tropical teve suprimida a palavra “sífilis”. E foi lançada assim, estropiada.  Chico Buarque a partir daí se tornou o inimigo nº1 da censura.

Em 1974, ele lançou o LP Sinal Fechado, que faria mais jus ao título Chico Canta. Porque no disco ele é apenas intérprete, inclusive de um compositor desconhecido, Julinho da Adelaide, A faixa assinada por ele (e Leonel Paiva) é Acorda Amor, o sucesso do disco. Mas a censura descobriu que o compositor foi invenção de Chico Buarque para driblar um provável veto. A partir daí, se passou a exigir carteira de identidade do autor da composição. 

De Sinal Fechado uma das canções selecionadas é Me Deixe Mudo, de um autor surgido dois anos antes, Walter Franco, totalmente alheio ao universo da MPB dos anos 60. Que foi pivô de um rolo na Festival Internacional da Canção, promovido pela TV Globo, com uma música experimental chamada Cabeça. Pouca gente se lembra dessa inusitada gravação de Chico cantando Walter Franco, que parece até que fi feita para este disco em que a ditadura tentava emudecer o artista.

8 comentários em “Chico Buarque lançava há 50 anos o álbum com o título mais redundante de sua discografia: Chico Canta

Adicione o seu

  1. Show Teles, parabéns e mais gratidão por mais esta sua lembrança colaborativa, pra trilha do capítulo “O Festival Que Não Aconteceu” do The Brazilian Driver.

    Curtido por 1 pessoa

  2. Isso, o segundo Festival de Verão da Nova Jerusalém, programado e vendido para acontecer no dia 30 de novembro de 1974, e proibido de acontecer dois dias antes, pela Censura Federal, em Brasilia, e pelas tropas do IV Exército distribuídas desde Caruaru, passando pela escultura de pedra de Lampião, na rodovia BR, que liga Caruaru à sua terra Campina Grande, até o acampamento do comando da ação nas muralhas e nos portões de entrada na cidade-teatro.

    Curtido por 1 pessoa

      1. Pronto essa sua opinião bate acordo com a de Jones Melo, ator e amigo desde o TPN. Ele dizia: – teu primeiro livro tem que ser O Festival Que Não Aconteceu.

        Curtir

      2. e que o Brasil não soube que não aconteceu, porque a a história é contada pelos sulistinos. Merecia um livro com os dois festivais. No primeiro, houve uma das cenas de racistas mais graves na história da música e do showbiz brasileiros, quando agrediram Luiz Melodia quase o show inteiro, aaté que Gilberto Gil veio em socorro de Melodia, cantando em iorubá

        Curtir

Deixe um comentário

Crie um site ou blog no WordPress.com

Acima ↑