Não poderia uma volta ao palco ser tão auspiciosa, depois de tantos meses de isolamento social. O grupo Em Canto e Poesia (foto: Mari Pinheiro @pinheiromari) faz sua primeira apresentação com presença de público, desde o início da pandemia, nessa sexta-feira, 5 de novembro, às 19h, no Teatro do Parque, ainda obedecendo a protocolos foram colocados 400 ingressos à venda (metade da capacidade do teatro), logo esgotados: “Mas como houve uma flexibilização, vamos tentar abrir um novo lote”, acena com a possibilidade Antônio Marinho, que integra o grupo com os irmãos Greg e Miguel. Eles são netos de Lourival Batista, o Louro do Pajeú, e bisnetos de Antonio Marinho, ambos no panteão dos maiores nomes da história do repente, uma dinastia da poesia oral do Sertão do Pajeú que remonta ao século 19.
O show tem o título de Pedaço do Mundo Inteiro, o mesmo do segundo disco, que ainda está sendo finalizado em estúdio. Um trabalho que será bastante diferente do álbum de estreia, embora a matriz de gêneros musicais permaneça, mais ou menos, a mesma, cocos, baiões, frevos, reggae, maracatu, o trio aplicou um novo conceito que lhe chegou através da experiência adquirida desde que passaram a viajar pelo país, depois do primeiro álbum. O disco foi lançado em 2014, quase dez anos depois do surgimento do embrião do grupo, formado por Marinho, declamando, com Greg ao violão. Algum tempo depois entrou o pandeirista Miguel Marinho. A poesia correndo forte nas veia da trinca de artistas, filhos da cantora Bia Marinho. Antonio e Miguel são filhos do cantor e poeta Zeto (já falecido), enquanto o pai de Greg, é o também poeta e compositor Lamartine Passos.
“Fica difícil separar a vivencia real da arte lá em casa, mesmo que a gente não estivesse inserido no mercado profissionalmente, estaria inserido na arte pela própria vivência. O primeiro disco, Em Canto e Poesia, é de apresentação, de afirmação. É composto muito mais por nossas referências, do pessoal que nos formou, do que exatamente pela poética de nossa autoria. Tem só uma da gente, o resto é de Bia,Zeto Anchieta Dali, Talis Ribeiro, Vates & Violas, Lamartine Passos, este time responsável pela nossa formação musical artística”, comenta Antonio Marinho.
É um disco em que eles mostraram a bagagem herdada de São José do Egito, e do sertão do Pajeú, explica Marinho: “Costumo dizer que é a gente falando do mundo, sentado embaixo de um juazeiro, mas no Pajeú. Este segundo disco acompanha a expansão do grupo, quando a gente andou mais pelo Brasil, conseguiu aprovar turnês pela Europa, pela Africa. É o grupo mais presente do ponto de vista da autoria. 70 ou 80 por cento das canções são nossas, minha, de Greg e Miguel. Ainda tem Zeto Bia Lamartine, porém em vez de 13 deles e uma nossa, agora são dez, doze nossas nossa, e três ou quatro deles”
No álbum de estreia o Em Canto e Poesia louvava o Pajeú como se fosse um mundo à parte, e jactando-se de ter origem ali. Marinho esclarece as mudanças que se processaram nele e nos irmãos: “Era a gente dizendo que o Pajeú era maravilhoso, que a gente vinha desse Papel, no segundo a gente diz que o Pajeú é maravilhoso, mas é um pedaço do mundo, integrado ao mundo inteiro, algo muito maior. É o que tempo que a gente está vivendo agora, a gente levando o Pajeú para outros pedaços do mundo e vendo esta integração”.
Para as entrevistas que os músicos vêm concedendo eles criaram um mote: “Distâncias não são diferenças, e diferenças não são distâncias”. Ao qual Antonio Marinho acrescenta: “Temos capacidade de nos aproximar do outro, se a gente fizer escolha por isso. E a arte é a melhor mediadora, deste olhar pro outro, deste encontro do outro, nada melhor que isso do que a arte, porque fala de uma linguagem universal, apesar da subjetividade. Com a subjetividade de um eu, traduzo a subjetividade do outro. Este é o recado do próximo disco. O primeiro é muito afirmativo, é o Pajeú, é São José, é a gente é poesia. O segundo reafirma que isto é maravilhoso, porém mais maravilhoso é fazer parte de algo maior, conhecer algo maior. Se sentir integrante de algo maior do que o Papel, a própria existência caminhando com a gente”.
POEMA
O espetáculo abre com um poema que aponta os caminhos do roteiro: “Em cada palmo do meu terreiro/pedaço do mundo inteiro/ mora um buraco/caminho profundo, pro outro lado do mundo/ face da lua que nasce talhada pelo espinho do facheiro/ derrama prata de luz na calçada/ alumia noutro canteiro/ e o mantra de um tibetano pra Buda/ reza pro meu padroeiro/ vem de terras do mar, um vento a soprar sementes na terra/ canto Borborema, sertão/ Gibraltar, península serra/ luso, nissei, iorubá, brasileiro/ gente deste mundo inteiro/ cariri, ororubá xucuru/ rio Moxotó, Pajeú”
SONORIDADE
Enquanto o disco e o show anterior foi basicamente acústico, e sustentado por bastante percussão, o espetáculo que mostram no Teatro do Parque tem o pandeiro de Miguel Marinho com a bateria de Felipe Weinberg bateria. Baixo elétrico já havia na formação, mas agora ele está mais presente, tocado por Lucas Crasto. Entrou também guitarra, tocada por Guilherme Eiras, que também maneja a viola: “Neste show tem muita guitarra, uma pegada que a gente poderia chamar de rock and roll. Maracatu misturado com soul, e soul misturado com coco. Do ponto de vista da matriz musical é igual ao outro disco, uma misturada pernambucaníssima. Só que demos uma diferenciada. Claro que a base continua, o violão de 7 de Greg, e o pandeiro de Miguel. O trabalho anterior era mais orgânico, segurando mais pelas percussão”, argumenta Antonio Marinho.
Naturalmente num show dos filhos na cidade, Bia Marinho não poderia estar fora. Ela é uma das convidadas especiais, com o cantor Tonfil (primo dos integrantes), e Lucas do Prazeres, que entra com os tamanco na hora de uma roda de coco.
Marinho adianta o roteiro: “E sai por ai falando desta universalidade, ninguém precisa abrir mão do seu sotaque para ser universal. Precisa querer juntar o seu com outro sotaques, pra que a gente atinja algo melhor, uma construção melhor da existência. O conceito é este. Depois fala em viajar, pegar estrada, cruzar mares, e outras fronteiras. A gente fala do Recife, Olinda, do carnaval, de outros lugares do mundo. Tem a questão política, o protesto contra a destruição da natureza. E num movimento circular a gente volta ao sertão, metaforicamente, depois de andar o mundo inteiro. A grande sacada é notar que o mundo é um só, que você não precisa sair do seu canto pra estar no mundo todo. A gente estando no canto da gente, está no mundo inteiro. É como escreveu Fernando Pessoa: ‘Eu acho que não vale a pena ter ido no oriente/ ter visto a índia e a china/a terra é semelhante e pequenina/ e só há uma maneira de viver”.
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