Nunca fui de curtir muito o Canned Heat, um grupo de blues rock branco, da California, cuja Going Up the Country é a primeira canção que toca na abertura do documentário sobre o festival de Woodstock, de Michael Wadleigh (1970). Tive alguns discos, um deles com John Lee Hooker, Heat ‘n’ Hooker. Devo ter escutado pouco, porque nem me lembrava de outras canções do Canned Heat, até me deparar dia desses com o álbum Blind Owl Wilson (Wilson Coruja Cega, lembra nome de repentista do inicio do século 20). Me chamou atenção a capa, um cara jovem de óculos escuros, cercado por olhos desenhados. Dito assim parece uma bobagem, mas o design é bem interessante.
Não me toquei que o Wilson Coruja Cega era Alan, ou Al, Wilson, guitarrista da Canned Heat, compositor, e vocalista em parte das músicas. O cara canta quase em falsete, superafinado, e com muito suingue. Wilson faz parte do clube do 27. Morreu de uma overdose de barbitúricos em 1970, aos 27 anos. Blind Owl Wilson, o disco, reúne canções gravadas com o Canned Heat, ou solo. É surpreendentemente moderno, ao mesmo tempo muito próximo do blues dos anos 30. Wilson foi um estudioso do blues de lendas sumidas, e que reapareceram com a revalorização de sua música nos primeiros anos da década de 60.
“Blind Owl” não se deve a Alan ser cego. Ele enxergava, mas sofria de miopia em altíssimo grau. Sem óculos não via quase nada. Os blueseiros que o influenciaram e dos quais conhecia quase tudo que gravaram eram lendas feito Skip James, Robert Johnson, Son House, Charley Patton, Thommy Johnson, Buka White, Muddy Waters. O timbre vocal de Wilson soa parecido com o de Skip James. Quando Son House foi redescoberto, em 1965, Alan Wilson tocou gaita em duas faixas de um álbum que o velho blueseiro fez para a Columbia. Mais que isso, Son House não se lembrava de suas músicas mais antigas, Al Wilson o ajudou: sabia quase todas de cor. Quando o Canned Heat dividiu um álbum duplo com John Lee Hooker, Al Wilson não se perdeu, o que foi uma proeza. Hooker não obedecia a formas musicais estabelecidas, era meio Nelson Cavaquinho, criava seus próprios caminhos. Quando terminaram de gravar, ele comentou com Wilson: “Você deve ter ouvido meus discos a vida inteira”, e estendeu o elogio, afirmando que Blind Owl era o melhor gaitista que já conhecera.
Porém ao mesmo tempo em que absorveu a música desses blueseiros , muito dos quais carregavam consigo matrizes de estilos do gênero, Alan Blind Owl Wilson acrescentava o rock psicodélico da Califórnia a sua música, sem se dar conta ele desenvolvia um estilo próprio de blues. Childhood’s End, creditada a Wilson, é aberta com uma gaita, e enquanto a guitarra capricha no drone. Em On The Road Again, inclui tambouras indianas na percussão. Ótimo guitarrista, ele é econômico nos solos, a não ser numa faixa intitulada Alan’s Intro, de 1 minuto e 30 segundos.
Going Up the Country sabe-se que é um blues, pela estrutura mas o arranjo é riponga, com uma flauta solando em vez de guitarra, a bateria é puro rock and roll. Lembra um remake de Cotton Fields. Al Wilson retrabalhou blues de autores certo e sabido, o que Bob Dylan faz até os tempos atuais. O que se tratava de pecado venial porque, assim como no samba dos anos 20, o blues era feito passarinho, de quem pegar primeiro. Muitos clássicos do blues ganharam títulos e estrofes à medida que mudavam de dono.
Crises de insônias o levaram à dependência de barbitúricos o músico que há 52 anos já lutava pelo meio ambiente, e se preocupava com a idade do homem à lua. Ele morreu em 2 de setembro de 1970, Jimi Hendrix morreria 16 dias mais tarde, mais viveu o suficiente para participar de uma homenagem a Blind Owl Wilson, no álbum Manassas, de Stephen Stills, da qual participou também Duane Allman (que morreria pouco mais de um ano depois). A faixa chama-se Blues Man.
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