Na série O Canto Livre de Nara, de Renato Terra, Chico Buarque joga pra torcida, ao anunciar que não cantará mais Com Açúcar e com Afeto, e que Nara também não a cantaria mais. Pelo machismo da letra. A música, feita a pedido de Nara, que a gravou em 1967, foi um provocação ao emergente feminismo bem ativo na Zona Sul carioca época. Nara era dotada de bom humor, e questionamentos. Quando gravou Com Açúcar e Com Afeto, qualquer um saberia que ela não era mulher submissa, e que tanto Chico tampouco era machista a este ponto. Não me consta protestos ou artigos contra a letra da música. Se houve, não teve ressonância.
Depois disso, Nara Leão gravou Quem É?, canção que supera em submissão feminina a Com Açúcar e com Afeto (provavelmente inspiração, quem sabe, para a composição de Chico). Quem É? de Custódio Mesquita e Juracy Camargo, foi lançada por Carmem Miranda e Barbosa Junior, há 85 anos (Nara a canta no vídeo que ilustra a postagem). Oito décadas e meia atrás, os autores, em tom de blague, já expunham ao ridículo um tipo de relação que não cabia mais no século 20, embora continuasse a existir nas periferias e nos grotões do país.
Nara Leão incluiu Quem É? em Nara (1968). Nele montou um repertório com seu próprio modelito de tropicalismo. Afinal àquela altura a Tropicália era uma sigla em busca de um arcabouço conceitual, que só se concebeu depois por várias teorias, que chegou até a Semana de 22. No álbum Nara a mulher é o tema, com uma precisão na seleção das músicas. Abrindo o disco com mais uma mulher sofredora, Lindonéia, canção de Caetano Veloso inspirada na tela “Um Amor Impossível A Bela Lindonéia, de 18 anos morreu instantaneamente”, de Rubens Gerchman. Ela é uma jovem suburbana, retratada com um hematomas abaixo do olho direito, que virou manchete de sessão policial na imprensa.
Talvez inspirada numa matéria publicada pelo Diário da Noite de São Paulo, com um teor chocante até naquele tempo: “Miss Espancamento. 80 surras em seis meses”. A adolescente Edimar Thompson Correia, 17 anos, casada há seis meses com Luis Carlos Correia, marcava com uma cruz cada surra que levava do marido. Dá uma média de duas surras por dia. Isto no ano em que a juventude ameaçou tomar o poder, mundo afora.
Mas Nara canta não apenas sobre moças indefesas, como amantes languidamente apaixonados, em Donzela Por Piedade Não Perturbe (J.S Averlos), e Modinha (Villa-Lobos/Manuel Bandeira). Mamãe, Coragem (Caetano Veloso/Torquato Neto) encaixa-se no conceito, assim como Mulher, fox de Custódio Mesquita e Sady Cabral, que fecha o disco.
E talvez Nara nem cantasse Com Açúcar e Com Afeto em shows, não para se alinhar ao feminismo vigente, mas porque a música já não refletia a realidade (pelo menos da classe média urbana) mesmo quando foi feita. Uma brincadeira entre amigos. Mas, convenhamos, a canção é bonita.
Aff, a música é claramente uma brincadeira. Esse pessoal politicamente correto, como o chato do Chico, são ridículos demais.
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