Crônica – Ray Charles cantando e a plateia dormindo

Por acaso, vi que Ray Charles é nome de rua em Salvador, num bairro chamado Paripe, onde nunca fui, embora tenha ido incontáveis vezes a Salvador. A gente viaja e raramente sai do esquadro, se hospeda sempre ns mesma região, nunca conhece realmente a cidade. Me arrependo de não ter visitado o Museu Nacional, o que pegou fogo, no Rio. Um incêndio que foi como um presságio para as agruras pelas quais passa a cultura no país. No Rio, eu nunca fui muito além do Centro, com eventuais idas ao Maracanã ou ao sambódromo pra ver shows, jamais pra samba ou jogo de bola.

Como dizia, antes de ser tão rudemente interrompido por mim mesmo, nem sei se o Ray Charles a quem deram uma rua em Salvador é o mesmo Ray Charles, o cantor de rhythm & blues americano, falecido em 2003. Pode ser um baiano batizado de Ray Charles, que no Brasil se bota muito nome de gente famosa em filho. Todos os dias morre um John Lennon em alguma região do território nacional. No Náutico joga, ou jogava, um Djavan.

O Ray Charles da rua soteropolitana me fez lembrar do Ray Charles cantor, a quem assisti no Teatro Guararapes, em 30 de novembro de 1990, salvo engano, que vivo salvo me enganando. Não rolou entrevista, nem convite pra cobertura de show. A entrada custava uma fortuna, tampouco me recordo quanto. Decidi ver mesmo que fosse à falência. Chego no teatro, a surpresa. Os cambistas vendendo ingressos por um valor infinitamente inferior ao preço na bilheteria.

O teatro estava com a metade do público que cabia. Na primeira fila havia lugares vagos. Tive o privilégio de assistir ao show na primeira fila. Metade da platéia parecia nem ter ideia de quem fosse Ray Charles. Ele, pra inteirar, não cantou a única música com que tocou no rádio brasileiro, I Can’t Stop Loving You (Don Gibson), em 1962. Foi mais de jazz do que rhythm & blues. No meio do show um bocado de gente cochilava, até quando ele fez uma concessão e cantou What I’d Say (composição sua). A duas poltronas da minha, na mesma fila, um senhor dormia a sono solto, literalmente, babando na gravata. Felizmente Ray Charles não viu aquilo. O show foi genial. 

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