Charles Mingues Jr. é uma das mais peculiares figuras do jazz. A começar de suas origens. Nasceu numa base militar, no Arizona, em 1922 (seu centenário foi celebrado em 22 de abril). A mãe era filha de um inglês com uma chinesa, o pai de um negro com uma sueca. Em sua autobiografia Beneath the Underdog, abre sua história afirmando que há três pessoas nele. Uma permanece para sempre no centro, sem estar nem aí sem se emocionar, observando, aguardando que lhe permitido dizer que o acha dos outros dois.
O segundo homem é como um animal acuado, que ataca por medo de ser atacado. Então há um cara adorável e gentil que permite que se penetre no mais sagrado templo do seu ser, que suposta insultos, confia no próximo, assina contratos sem os ler, é convencido a trabalhar por pouco dinheiro, ou de graça. E quando se dá do que lhe aconteceu, sente ímpetos de matar, e destruir todo ao seu redor, incluindo a si mesmo, por ser estúpido. Mas não pode – e volta imerge em pro próprio interior.
Qual deles é real? Eles são todos reais. Pergunta-se e responde-se.
O real Mingus foi um dos maiores músicos de uma geração que deu ao jazz nomes como Charlie Parker, Miles Davis, Thelonious Monk. Um dia depois de se tornar centenário, a Resonance Records, selo especializado em biscoitos finos raros e inéditos lançou Mingus The Lost Album From Ronnie’s Scott. O Ronnie’s Scott é o equivalente londrino do Blue Note nova-iorquino. Templo da boa música (a Spokfrevo Orquestra já se apresentou lá por duas vezes). Charles Mingus levou sua boa música ao clube em 14 e 15 de agosto de 1972. Tocaram com Mingus os saxofonistas Bobby Jones (tenor), e Charles McPherson (alto), o pianista John Foster, o baterista Roy Brooks, e o trompetista John Faddis (então com 19 anos).
O “álbum perdido” no título é um clichê para gravações que demoraram a se tornarem discos. As fitas dos shows deste álbum permaneceram nos arquivos de Charles Mingus por 49 anos. A intenção era lançar o registro dos shows logo em seguida à sua realização. Não foi lançado antes porque, na época, Clive Davis, o executivo que revolucionou a indústria fonográfica americana dispensou as principais estrelas de jazz da gravadora. Os tapes estavam com Sue Mingues, mulher do músico, e nunca houve uma explicação plausível para tanto tempo de ineditismo.
Charles Mingus foi uma pessoa de luas. Podia ser supergentil num minuto, e partir para a porrada no minuto seguinte. O que não raro aconteceu no palco, ou em ensaios. No Five Spot, em Nova Iorque, destruiu um contrabaixo por causa do barulho da plateia. Praticamente acabou com a carreira do trombonista Jimmy Knepper, então no pico da carreira. Em 1962, Knepper ensaiava na casa de Mingus, só os dois. O ensaio terminara, Mingus queria que tocassem mais um tema. Knepper se recusou, Mingus, que era grande e largo acertou-lhe um potente murro na boca. Knepper teve dentes quebrados, e nunca mais conseguiu a mesma embocadura no trombone.
Em agosto de 1972, no entanto, Charles Mingus estava de bem com a vida. Saíra de um período de drogas e depressão. Acabara de lançar a celebrada autobiografia, havia uma revalorização de sua música, usada como trilha de um balé badalado, e acabara de lançar um álbum elogiado, Let My Children Hear Music. Da banda com que gravou esse disco, só restaram dois músicos quando tocou no Ronnie’s Scott, os saxofonistas Bobby Jones e Charles McPherson. No repertório nove temas do anos 50, do álbum recente, alguns de um em progresso, que seria batizado de Changes, One e Two (de 1975). Há temas que se estendem por meia hora, em Noddin’ Ya Head Blues, Mingus ataca com a introdução no baixo, para Foster, o pianista, soltar a voz, num bluesão.
The Lost Album From Ronnie’s Scott está disponível nos formatos digital, em vinil (três LPs), e CD (três CDs).
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