Em 2006, Chico Buarque lançou o CD Carioca, pela Biscoito Fino. O disco foi feito no estúdio da gravadora, em sua sede, em Botafogo. Durante a gravação aconteceu um fato inusitado. Pela primeira vez Chico permitiu que fosse feito um making of de um trabalho seu em estúdio. O que aconteceu meio por acaso. Bruno Natal, na época quase um garoto, videomaker, tinha acesso à gravadora, pediu pra filmar Chico e seus músicos no estúdio e Chico concordou.
O registro feito por Bruno virou DVD bônus de uma edição limitada de Carioca. Num trecho do vídeo, Chico, que é muito brincalhão quando está entre amigos, conta uma história fantasiosa, de que, quando não lhe vinha a inspiração, comprava músicas de vários fornecedores. Diz que estava recorrendo com mais frequência a um cara chamado Ahmed, um sacana. Vendia música e não entregava, ou só entregava uma parte, e o chantageava pra entregar o trecho que faltava. Enfim, inventa coisas mirabolantes sobre o tal Ahmed, e o maestro Luís Claudio Ramos, até confirma a história, acrescentando-lhe detalhes.
Não foi a primeira vez em que Chico Buarque inventou um compositor. Nos anos 70, pra driblar a censura, tirou da Cartola um sambista chamado Julinho da Adelaide, pseudo autor de Acorda Amor (com Leonel Paiva), e Jorge Maravilha, dois sucessos, escritos por Chico, claro. Julinho da Adelaide concedeu até entrevista a O Pasquim, escrita por Mário Prata. Fake, naturalmente. Descobriu-se o engodo, e se passou a exigir carteira de identidade de quem submetesse música à censura federal.
Por volta de 2018, ou 2019, quando explodiu a polarização política no país, proliferaram, em doses cavalares, as fake news pela Internet. Eis que pinçaram um trecho do doc de Bruno Natal, o que cita o tal Ahmed, que foi tirado do contexto, e postado como se verdade fosse. Disseminada pelas redes sociais, a mentirinha, dita por brincadeira, virou verdade para milhares e milhares de pessoas. E continua sendo. Tudo é crível, numa época em que há gente que descrê da lei da gravidade. Realmente, a Terra não é plana, mas se tornou chata.
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