Marshall Crenshaw tem edição comemorativa de 40 anos do album de estreia, uma obra prima pop subestimada

O cantor, compositor, guitarrista Marshall Crenshaw estreou em disco em 1982 como um fóssil sonoro, algo surgido de um produtor com a cabeça de Steve Spielberg, cujo blockbuster Caçadores da Arca Perdida é de dois anos antes, um pastiche de antigas séries dos anos 40, com capítulos exibidos nos cinemas antes do filme principal. Crenshaw apareceu num ano em que a música pop passava por uma transição, com as paradas divididas entre bandas tecnopop, Prince, veteranos como David Bowie, Paul McCartney, Billy Joel, The Rolling Stones, e dominada pelo rolo compressor Thriller, o blockbuster de Michael Jackson.

Marshall Crenshaw, o disco, é de um ano que definiu o que seria o pop rock daquela década (inclusive no Brasil, quando começou o Brock, com a Blitz), mas só atraiu atenção em 1983, há 40 anos, pois. Numa temporada tão movimentada, com o rap bombando, o ABBA lançando sua última gravação de estúdio, Michael The Wacko tornado fenômeno, mais uma invasão pop inglesa se armando, e um cara de Detroit, de óculos de grau, tímido, aparece com um disco, totalmente fora da curva de sua época. Um misto de Buddy Holly e Beatles de início de carreira, new wave e power pop ao mesmo tempo. Curioso é que Crenshaw fez o papel de John Lennon no musical off Broadway Beatlemania, pouco antes de gravar o disco, e faria dali a cinco anos Buddy Holly no filme La Bamba

Em 1982, a fita cassete ainda conseguia abrir porta de gravadora. Marshall Crenshaw abriu com o k-7 com Someday, Someway, inspirada em Gene Vincent. Foi a faixa do álbum de estreia que chegou às paradas, 32º lugar na Billboard. Outra faixa, Mary Anne figurou entre as 100 melhores canções de 1982, no listão da Rolling Stone americana. Mas o álbum não chegou a ser um campeão de vendagem, mesmo sendo coberto de elogios pela crítica.

40 anos depois, Marshall Crenshaw, o disco, recebe uma edição comemorativa pelos quatro décadas de uma coleção de canções cujo molde parecia perdido, e pelo jeito se perdeu depois. Robert Christgau, um dos mais importantes críticos da Rolling Stone, resenhou o álbum em 1982: “O rock and roll de Marshall Crenshaw tem de habilidade de criação que pode ser chamada de clássico. Feito o Everly Brothers e os Beatles dos primórdios, ele trabalha a partir de um pequeno território e ganha o mundo, ou seja, a inteira atenção de qualquer um, mostrando que o rock and roll pode ser mágico” (numa tradução livre). Christgau ressaltava que Crenshaw não tinha nada a ver com revival, nostalgia, fazia música de seu empo.

O álbum passou seis meses nas paradas e vendeu 400 mil cópias. Muito para hoje, mas não para 1982, quando 1 milhão de discos vendidos era uma quantidade mediana, sobretudo porque foi o ano do álbum mais vendido da história da indústria fonográfica, o citado Thriller, de Michael Jackson. Mas Marshall Crenshaw, o disco, atemporal quando lançado, passou no teste do tempo. 40 anos depois, pousa nas plataformas, e também em vinil, a edição de aniversário, com sete faixas a mais, porém dispensáveis. Bastaria o repertório original, um triunfo da simplicidade, em que apenas uma faixa não é assinada por ele, Soldier of Love (Lay Down Your Arms), de Arthur Alexander (que integrava o repertório dos Beatles no Cavern Club). Em 1982 todo mundo parecia querer reinventar a música pop. Marshall Crenshaw, sem a menor pretensão de nada, apenas com o irmão Robert no contrabaixo, e Chris Donato na bateria, fez um dos melhores discos não apenas daquele ano, mas do rock and roll.

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